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Os Invisíveis V: “Um contentor. Com muitos trabalhadores lá dentro”

Sociedade

Empurro o bloco na sua direção, passo-lhe a caneta para a mão e peço-lhe que escreva o seu nome. Desenha as letras vagarosamente, para que eu as consiga compreender. Leio: Khandakar Solayman. “Khandakar is my family name”, explica. “Solayman is my first name”.

Este homem de 47 anos leva uma vida de errância - Bangladesh, Arábia Saudita, Chipre, Itália, Portugal. Paulo, um fotojornalista de Pardilhó, a mulher e os filhos são a família que construiu em Portugal. Foi ele que o trouxe de carro até Aveiro; foi ele que o fotografou para este trabalho. Solayman insiste em que eu fale dele no texto. “My friend, my friend”, diz, apontando para ele com um sorriso terno. A nove mil quilómetros de casa, é bom ter quem nos dê a mão.

Sentamo-nos num banco de pedra junto ao lago do Parque Infante Dom Pedro e conversamos em inglês.

 

Como gostas de ser chamado?

Solayman. Todos me chamam Solayman.

 

Nasceste no Bangladesh…

Sim.

 

[O Bangladesh é um país asiático com mais de 170 milhões de habitantes]

 

Em que cidade?

Em Narayangonj.

 

[É uma das principais cidades do país, com mais de um milhão de pessoas]

 

Como é a tua família?

Tenho cinco irmãos e duas irmãs. O meu pai morreu em 2003. A minha mãe está no Bangladesh, uma irmã na América, dois irmãos estão no Chipre e dois no Bangladesh.

 

O que faziam os teus pais?

O meu pai trabalhava na agricultura. A minha mãe era dona de casa, nada mais.

 

Era uma família pobre?

Nem pobre nem rica. Média.

 

Andaste na escola?

Sim. Doze anos.

 

Quando saíste da escola começaste a trabalhar?

Não encontrei trabalho. Tentei. Se tivesse encontrado emprego tinha trabalhado lá, mas não encontrei. Procurei durante um ano e depois fui para a Arábia Saudita.

 

Deixaste o teu país por não teres trabalho?

E também havia demasiados problemas. O Governo não é bom.

 

Que idade tinhas?

26.

 

Foi uma decisão difícil?

Eu precisava de dinheiro para a minha família e no Bangladesh não encontrava trabalho.

 

Foste para a Arábia Saudita…

Estive cinco anos na Arábia Saudita, depois estive no Chipre dez anos, e também voltei ao Bangladesh, onde criei um negócio. Mas havia muitos problemas políticos e voltei ao Chipre. Mas Chipre não me deu um visto de residente e vim para Portugal.

 

O que fazias na Arábia Saudita?

Trabalhei numa empresa como motorista. De camiões. Era uma empresa de construção. Trabalhei seis anos.

 

Fazias bom dinheiro?

Sim. Ajudei dois irmãos e eles puderam ir para o Chipre. Depois eles disseram para eu ir para o Chipre também, porque se ganhava mais dinheiro.

 

E então foste para Chipre?

Primeiro fui para o Bangladesh seis meses. E depois fui para o Chipre. Estive lá cinco anos.

 

Já eras casado nessa altura?

Ainda não.

 

Que trabalho fazias no Chipre?

O mesmo - era motorista. Encontrei trabalho numa empresa de frutas. Embalavam a fruta e transportavam-na em grandes camiões.

 

Gostavas mais da Arábia Saudita ou de Chipre?

Chipre era bom. É Europa. Eu gosto disto.

 

E depois de Chipre?

Voltei ao Bangladesh. Mas tinha muitos problemas políticos e não fiquei. Tinha dinheiro mas ficaram com o meu dinheiro, com o meu negócio…

 

Tinhas um negócio teu?

De móveis. Tinha uma pequena fábrica em Narayangonj e uma loja, para vender os móveis. Não era uma fábrica grande, era pequena, com cerca de 20 pessoas, carpinteiros. Mas vendi a fábrica e regressei a Chipre.

 

Foste motorista outra vez?

Sim. Na mesma empresa. Estive lá um ano e depois fui para Itália, onde trabalhei num restaurante. E depois vim para Portugal. Mas antes ainda tentei outros países. Mas em Portugal é mais fácil.

 

Entretanto casaste…

Sim. Tinha uns 30 anos. Casei com uma mulher do Bangladesh.

 

Têm filhos?

Sim. Três filhos. O mais velho tem 14, outra tem 10 e o mais novo tem cinco.

 

Estão todos no Bangladesh?

Estão.

 

Há quanto tempo não estás com eles?

Há dois anos.

 

É difícil…

É muito difícil.

 

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Vieste para Portugal porquê?

Portugal é fácil, Portugal é muito bom. Agora tenho emprego, numa empresa. Sou carpinteiro. O meu patrão é bom, ele gosta de mim, e eu gosto dele.

 

Como chegaste a Portugal?

Vim de autocarro.

 

Quando chegaste a Portugal, foste para onde?

Primeiro fui para Beja.

 

Como foste parar a Beja?

Tinha um amigo lá, que me disse que havia emprego na agricultura.

 

Ficaste lá muito tempo?

Quatro meses.

 

O que fazias?

Na apanha da maçã, da azeitona… Era difícil. Não era bom.

 

E onde moravas nessa altura?

Era uma caixa. Um contentor. Com muitos trabalhadores lá dentro, em beliches.

 

E quanto dinheiro ganhavas?

Por mês 400 euros, 300 euros… Não era bom.

 

Os trabalhadores eram de que países?

Eram sobretudo paquistaneses. Era um homem do Paquistão que decidia se eu tinha trabalho em cada dia. Às vezes dizia que não havia trabalho para mim. E não tinha contrato.

 

Estavas legal em Portugal?

Da primeira vez que vim, Segurança Social, Finanças, tudo estava ok.

 

Foram tempos difíceis?

Foram. Mas agora estou feliz.

 

Depois de Beja foste para onde?

Vim para Pardilhó. Em Novembro do ano passado.

 

Porquê Pardilhó?

Tinha um amigo que me disse para vir, porque talvez encontrasse trabalho numa empresa. Eu vim mas não fui chamado. Tentei outras empresas e uma vez uma ligou a dizer que eu tinha trabalho.

 

A fazer o quê?

Carpinteiro. Uma empresa de móveis, na Murtosa. E também produz colmeias.

 

Gostas do teu trabalho?

Gosto. Agora estou feliz.

 

Onde moras agora?

Agora tenho uma casa. Primeiro encontrei um pequeno quarto em Pardilhó, onde moravam três pessoas. Depois encontrei uma casa.

 

Como ias trabalhar para a Murtosa?

Primeiro ia a pé, depois o meu amigo deu-me uma bicicleta. E agora vou de bicicleta.

 

Dizes que agora estás feliz. Mas a tua família está longe.

Está longe. Sem a família não estou feliz. Mas tenho emprego e dinheiro, e isso é bom. Consigo mandar dinheiro para a família.

 

Queres que a tua família venha para Portugal?

Sim, quero trazê-los para cá. Estou a tentar.

 

E eles querem vir?

Querem. Os meus filhos dizem “pai, leva-nos para Portugal depressa”. Eu estou a tentar trazê-los todos. Todos os dias a minha mulher chora. Não nos vemos há dois anos. É difícil.

 

Não pensas em voltar ao Bangladesh?

Não. Não quero voltar. Não gosto do meu país agora. Há demasiados problemas, politicamente. Quero ficar em Portugal e um dia talvez tenha uma loja minha.

 

Alguma vez te sentiste discriminado em Portugal? Foste vítima de racismo?

Não, nunca tive nenhum problema.

 

É difícil falar português?

Muito difícil. Percebo algumas coisas e sei dizer “olá”, “bom dia”… Mas é muito difícil.

 

E gostas da comida portuguesa?

Gosto de peixe. E gosto de cozinhar. Em Itália trabalhei num restaurante e gostava de voltar a trabalhar.

 

És um homem religioso?

Sou. Sou muçulmano. Rezo todos os dias cinco vezes.

 

O que fazes quando não estás a trabalhar?

Tenho uma família que é minha amiga e que me ajuda. Todos os dias ligo ao meu amigo.

 

É bom ter amigos que nos ajudam…

É como um pai. Toda a família... É um bom amigo. É um bom amigo.

 

Solayman está a nove mil quilómetros da sua terra – é quase como atravessar Portugal de norte a sul quinze vezes. Neste abismo cabem continentes, países, cidades, mares, rios e montanhas. Estar longe de casa é isto. Hoje está em Portugal. Mas com a sua vida nómada, em busca do melhor para si e a sua família, quem sabe onde estará amanhã. Para onde o levará a maré a seguir?

A sexta e última conversa da série Os Invisíveis é com uma irmã do Carmelo de Aveiro.

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3 Comentário(s)

isabel marques
18 nov, 2024

parabéns a toda a equipa. parabéns maria josé santana. um agradecimento muito especial ao jornalista rui cunha, pelos magníficos textos que escreve nas crónicas os invisíveis. a forma como lidas e usas as palavras...um privilégio ler coisas tuas, assim tão intimistas. parabéns e não pares... haverá muitos invisíveis por aí, sem voz, sem cara...

isabel marques
18 nov, 2024

parabéns à maria joão por este projeto, parabéns ao jornalista rui cunha, pelos magníficos textos, pelas entrevistas tão intimistas.. excente escrita. sabes usar as palavras como ninguém. continua com os invisíveis!!!! please. parabéns a toda a equipa

maria do céu pernadas lages gomes
4 nov, 2024

parabéns solayman, pela tua persistência em quereres uma vida melhor para a tua família. gostaria que pudessem ficar em portugal. parabéns para maria josé santana pela publicação das palavras deste homem.

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