Já não há gira discos, nem cd´s ou cassetes a tocar, tornando cada vez mais raros aqueles episódios que embaraçam quem está em estúdio, mas provocam gargalhadas em quem está à escuta – quem nunca se riu pelo facto de uma música ter entrado nas rotações erradas que levante o dedo (ainda que só os mais velhos entendam do que estamos a falar). O alinhamento está todo plasmado no ecrã de um computador, programado ao minuto (e ao segundo) até bater nas horas certas, a tempo dos noticiários; na grande mesa de mistura só é preciso abrir e fechar as vias respetivas em tempo devido. Mas as pessoas continuam lá, à frente do micro, e são elas a alma de projetos radiofónicos como o da Rádio Terra Nova, emissora da região de Aveiro, sediada na Gafanha da Nazaré, que está prestes a comemorar 40 anos e que fizemos questão de visitar a pretexto do Dia Mundial da Rádio - este dia, 13 de fevereiro, foi proclamado na 36. ª Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
Antes de prosseguir, há uma nota que se impõe: este texto está longe de ser imparcial e objetivo. O que era para ser uma entrevista transformou-se numa conversa de amigos que partilharam o mesmo estúdio durante anos e continuam a olhar para a rádio como um dos meios mais nobres de comunicação.
“Amo a rádio. Até no dia em que me casei vim fazer programa (risos)”, confessa Maria João Azevedo, locutora do programa da manhã da Terra Nova. Tem 47 anos e faz rádio desde os 18. Enquanto conversa com a Aveiro Mag, tem uma rubrica no ar, chamada Liberdade de Expressão, feita por dois jovens colaboradores. “Isto faz-me tão feliz. Dar voz aos outros. Se não fossem os meios de comunicação locais como é que esta gente tinha voz”, repara, a poucos minutos de dar o programa por encerrado.
Ouve-se a porta da entrada a abrir e uns “bons dias” dados de forma alegre e viva. É mais uma das “vozes da rádio” que acaba de chegar à redação, juntando-se ao jornalista e aos dois estagiários que já por ali estavam. Entre um noticiário e outro, Carlos Teixeira e Fernando Martins aceitam o desafio de falar - com os estagiários Rodrigo Vicente e Sílvia Ventura à escuta - sobre a missão que abraçam há já quase 40 anos. O primeiro tem 52 anos e trabalha há 37 anos na Rádio Terra Nova. O segundo tem 58 anos, 40 dos quais passados naquela emissora – começou ainda antes da legalização, no tempo das “rádios piratas”. “Fui a segunda voz a ir para o ar. A primeira foi a do meu irmão Pedro”, recorda Fernando Martins. Já lá vai muito tempo, mas ainda se lembra das primeiras palavras debitadas para o microfone: “Bom dia. Esta é a rádio da Cooperativa Cultural e Recreativa da Gafanha da Nazaré”.
Carlos Teixeira juntou-se à equipa da emissora alguns anos depois, já após a legalização das emissoras locais, pela porta do jornalismo desportivo. “Isto era tudo novidade e ganhou grande importância. Na altura, conseguiu montar-se uma coisa muito parecida com um canal de desporto. Tínhamos relatos do Gafanha, do Beira-Mar, do NEGE, também do basquetebol, do andebol e chegámos a ter do hóquei quando o Bonsucesso esteve na primeira divisão. Era sábado à tarde e à noite e domingos à tarde com desporto”, recorda, notando que tudo isto era feito com uma vasta equipa de colaboradores especializados em cada uma das modalidades. “E com uma logística material muito diferente dos dias de hoje. Não havia telemóveis e para fazer alguns relatos tínhamos de ir pedir linha telefónica a algum vizinho do campo desportivo”, prossegue. Também eram tempos em que para obter as classificações dos clubes era preciso “ligar para os postos da GNR para saber os resultados, pois eram eles que policiavam os jogos, e fazer escuta de outras rádios para acompanhar os jogos de outros clubes”, recordam.
Eram outros tempos. “Era romântico, mas como todos sabemos, rapidamente se passa do romantismo à falta dele”, repara, Fernando Martins. “Havia uma relação emocional com os ouvintes. Essa relação diluiu-se muito e passou a ser mediada pelas redes”, nota, por seu turno, Carlos Teixeira. Tudo mudou, mas a vontade de fazer rádio e de continuar a trabalhar a informação da região e a dar voz às suas gentes continua a ser a mesma. Ainda que muitas rádios locais tenham cedido à tentação de apenas passar música, reduzindo assim os custos com pessoal, a Terra Nova mantém-se fiel à sua essência de emissora regional.
O apoio da comunidade
“A Terra Nova vai resistindo graças ao esforço do seu diretor, o engenheiro Vasco Lagarto, e dos profissionais da casa”, destaca Fernando Martins. E os ouvintes? Esses também continuam lá e, se dúvidas houvesse, a onda de solidariedade gerada quando caiu a antena da rádio, em 2016, veio afastá-las. “A comunidade juntou-se e custeou a nova torre. As pessoas davam-me dinheiro na rua para ajudar. Foi emocionante”, lembra Fernando Martins - a nova antena custou cerca de 22.000 euros -, peremptório de que este foi o momento que mais o marcou ao longo da sua carreira. Em segundo lugar ou terceiro, surgem eventos como a queda da ponte da Friopesca, na Gafanha da Nazaré, ou o bota-abaixo da Fragata D. Fernando II e Glória. Mas o mais impactante, não há dúvidas, "foi a queda da torre e a resposta da comunidade".
E o futuro? Será certamente exigente e desafiante, tal como acontece com toda a comunicação social local e regional - a crise dos média não é de hoje e também não será hoje que se resolverá. Por ora, foquemo-nos no presente e no facto de podermos celebrar o Dia Mundial da Rádio animados pelo que nos é dado a ouvir em 105 FM. Haverá melhor forma de celebrar este dia?