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A páginas tantas: “Açúcar queimado” de Avni Doshi

Opinião

Filipa Matias Magalhães *

“Açúcar queimado” de Avni Doshi foi dos livros mais marcantes que li e que merece todo o tempo que lhe possam querer dedicar. Mais do que o facto de ter sido um dos finalistas do prémio Booker 2020 e do Women´s Prize 2021, este livro faz-nos pensar de forma dura mas também cómica, sobre a verdadeira natureza e profundidade do amor entre pais e filhos.

Escolhi este livro porque gosto sempre de “arriscar” nos novos autores, gosto de livros escritos por mulheres sobre mulheres e porque rompe com os temas clichés da literatura. O livro, editado originalmente na Índia com o Título “Girl in White Cotton”, é um livro sobre o amor, não sobre o amor/paixão que é eleito por tantos escritores como tema principal, mas sobre o amor entre filhos e pais, neste caso, uma história de amor entre uma filha (Antara) e a mãe (Tara) e a relação que se projeta na neta (Anikka). A autora recorre ao jogo de palavras e de descrição de personagens que as coloca nos antípodas, como a tese e antítese, unindo-as num amor inabalável e sem condição: “Queria que a vida da filha fosse o mais diferente possível da sua. Antara era, na realidade, an-Tara: Antara seria a negação da mãe.”

Embora a escolha do livro tenha sido um pouco “às cegas”, surpreendeu-me a cada página que lia. A escrita cativante, dura, desarmante e realista de Avni Doshi é pontuada com momentos carregados de humor e ironia e com descrições tão realistas que nos imaginamos na sala de Antara a beber um chá ou a comer uma chamuça ou uma pankora com toda a sua família.

Adoro livros que, em segundos, me conseguem fazer passar de um estado de espírito para outro completamente diferente e este é um destes livros, sofri com o sofrimento das protagonistas, ri-me muito (sou daquelas que ri quando está a ler) com os momentos cómicos que pontuam o livro, deliciei-me com a ironia e a mordacidade da escrita, e revoltei-me e fiquei muito triste com os momentos de sofrimento das personagens. No final, fiquei rendida ao enorme poder do amor entre filha e mãe e à capacidade deste ultrapassar e derrubar dificuldades, escolhas erradas, mal-entendidos e desencontros …. e tudo isto sem uma historia lamechas e de vidas fáceis e romanceadas.

Por muito diferente que o nosso contexto cultural seja, a verdade é que reconheci-me em muitas passagens que revelam o melhor e o pior de todos nós, porque há caraterísticas do ser humano que não distinguem contexto, país ou cultura! De facto, sempre que a autora se afasta do quotidiano das protagonistas para relatar o contexto em que vivem e os “vícios” da sociedade, não pude deixar de ver semelhanças com a nossa sociedade ocidental e verdades tão absolutas na Índia como no ocidente: “As conversas mal-interpretadas advêm de certezas mal-arrumadas” e “….a decência é algo que encarnamos em público, com alguém a assistir e a avaliar os nossos atos, e, se não há o medo da culpa, de que serve ser decente?”

No final do livro percebi a subtil inteligência que presidiu à escolha do título “Açúcar queimado” e da dificuldade que temos em conciliar o amor com o cansaço e o desespero que uma relação ou uma pessoa nos causa e todos aqueles que assumem o papel de cuidadores verão aqui tão bem retratada essa dualidade.

Como filha que sou e como mãe que sou encontrei neste livro foi um dos mais bonitos elogios ao amor de mães e de filhas: “Abraço a Anikka com força todos os dias e cronometro o abraço com um temporizador, para que ela se recorde da abundância de amor e carinho físico que recebeu na infância” e “… o meu alcance auditivo consegue captar a respiração da minha filha do outro lado da cidade. Eis o que significa ser mãe. As minhas garras estão prontas. Ando sempre à caça.”

Se o amor de uma mãe é perfeito e garante que uma filha cresce segura e confiante? Não, não é!!! Mas desafia-nos a completá-lo, entender as suas fraquezas e limitações e tentar …. Tantas vezes sem sucesso…. fazer melhor. “Talvez as nossas mães criem sempre uma carência em nós, e as nossas filhas continuem a cumprir a profecia.”

Acho que o maior elogio que posso fazer a este livro é dizer-vos que foi o livro que escolhi para oferecer à minha mãe no Natal.

Desejo-vos a todos boas leituras, que sonhem, viajem e se divirtam na companhia dos livros, sem nunca esquecer o tanto que ainda podemos aprender com eles (e, neste ponto, quem escreve é uma mãe de adolescentes que acham que os livros são “objetos do passado”).

Vemo-nos nas próximas páginas!

* Escreverá, quinzenalmente, a crónica literária "A páginas tantas"
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