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“Gravidade zero” e o humor e a inteligência de Woody Allen

Opinião

A páginas tantas

Filipa Matias Magalhães*

“Nestes tempos cada vez mais escuros que são os nossos, quando um biltre baixote de olhos estreitos parece apostado em semear caos e sofrimento no mundo, uma das poucas pausas que nos resta poder fazer na tristeza e no desespero são o toquezinho ligeiro do humor e as irrupções ostensivas de rebaldaria, que nos recordam que a vida tem outras facetas que não o puro horror. Nunca foi tão importante fazer os palhaços entrar em cena. Woody Allen que entre pois em cena.” Os biltres da vida podem nem sempre ser baixos ou terem olhos estreitos, mas infelizmente há tantos que, com outras fisionomias e de forma distinta, vivem apostados em semear caos e sofrimento no mundo - assim de repente, lembro-me de um louro, com 1,70m (e a brincar o Woody Allen diz a verdade!) e que acha que pode dominar o mundo… mas os momentos de pausa são merecidos e este é um bom livro para adoçar essa pausa.

Para quem já é fã da obra cinematográfica do Woody Allen, este livro é a confirmação desse génio do sentido crítico, da perspicácia e da análise sempre sarcástica e bem-humorada de tudo o que vai descobrindo à sua volta. E digo tudo o que vai descobrindo porque acho sempre que descobre alguma coisa que merece ser falada, onde eu jamais descobriria… é esta atenção ao detalhe que distingue os génios das pessoas comuns, como eu!

Mas também quem não é conhecedor dos seus filmes terá, com este livro, uma ótima oportunidade de se encantar com o humor de Woody Allen.

Este é, para mim, um livro que deixa qualquer um apaixonado e bem-disposto. Um livro de crónicas e, por isso, é muito mais fácil de ler… até mesmo para quem não tem muito tempo disponível ou hábitos de leitura. Um livro leve e bem-disposto, daqueles que nos põem a rir sozinhos (são sempre os meus preferidos… aqueles que “falam” comigo e me fazem rir ou chorar quando os estou a ler) e, ao mesmo tempo a pensar…. “como é que se foi lembrar disso”. E um livro muito, mas mesmo muito, bem escrito. Lê-se bem, numa tarde de chuva ou de frio em que nos apeteça ficar em casa.

“Gravidade Zero” é o quinto livro de textos humorísticos de Woody Allen e reúne um conjunto de crónicas que tratam alguns temas sérios de forma divertida e outros completamente inusitados de forma “aparentemente séria”. O riso é garantido e a gargalhada solta uma certeza. Como refere Daphne Merkin no prefácio, “… o desejo de ser engraçado é ambição de muitos, mas dom de poucos.” E Woody Allen é, sem dúvida, sinónimo de um grande sentido de humor e inteligência.

Gosto muito do Woody Allen porque, sendo ele claramente um homem com imensa cultura, não se tem nessa conta e repudia a classificação de intelectual. É, mais propriamente, um anti-intelectual e usa a sua capacidade de observação e de análise para parodiar e dar palco aos assuntos mais banais, como na crónica “O homem que entretinha galinhas”, até assuntos onde a cultura está mais presente, como em “Quando a nossa insígnia do capô é Nietzsche” ou “Rembrandt por um nariz”, passando pela habitual crítica da sociedade atual em “Um pouco de cirurgia plástica nunca fez mal a ninguém”.

A capacidade de olhar para a sociedade e compreender que, aquelas diferenças que todos aqueles que respeitamos os direitos humanos insistimos em recusar, estão nas mais pequenas coisas: “-Você deixou entrar estranhos em casa? – perguntei, em tom de censura. – sem o meu o.k.? E se fossem ladrões, ou um assassino em série?

- Está a gozar? Com aquelas caxemiras em tom pastel?”

Aprendamos, pois, que os assassinos e criminosos não usam caxemiras em tom pastel, ou pelo menos os criminosos de determinados tipos de crimes.

A criatividade de Woddy Allen que faz Abe Moscowitz e Moe Silverman renascer num tanque de lagostas faz-nos pensar na ironia do sentido da vida:

“-Lagostas? É nisto que eu acabo depois de levar uma vida de justo? Num tanque da Terceira Avenida?

- O Senhor age de modos misteriosos – explicou Moe Silverman. – Vê o caso do Phil Pinchuck. O homem quinou com um aneurisma, agora é um hámster. Passa o dia a correr naquela estupida roda. E foi não sei quantos anos professor em Yale. Onde eu quero chegar é que ele ganhou gosto à roda, e agora pedala, e pedala, e pedala, sabendo perfeitamente que não vai a parte nenhuma, mas está sempre se sorriso no rosto.”

Mas, confesso-vos, um dos temas sobre o qual mais gosto de o ler ou ver no cinema é quando ele aborda as relações amorosas da forma divertida, crua e tão realista, sem espaço para lamechices e dramas – porque estes campos já estão devidamente explorados por autores mais “sérios” – e com o pragmatismo e sentido que humor que usa com mestria.

E, afastando elaboradas teses sobre o casamento e o divórcio, Woddy Allen encontra na gordura uma das causas possíveis para a dissolução do casamento… e que os advogados procurem enquadramento legal para a sua tese: “Subitamente mais rico que Creso, Wurm telefona ao advogado, Jason Hairpiece, e instrui-o no sentido de fazer chegar a Vendetta os papéis do divorcio, acusando-a de aumento desproporcionado de peso e alegando que, apesar de ele ter feito votos no altar de se manter junto dela na doença como na saúde, na riqueza como na pobreza, para o melhor e para o pior, o rabi, na verdade, nunca mencionou gordura.”

Mas, ainda assim, cético relativamente ao amor, Woody Allen não deixa de dar esperança a todos aqueles que querem mergulhar na aventura: “Escusado será dizer, se ele fosse uma máquina de flippers, teria todas as luzes a piscar, as campainhas a tocar, e o sinal de jackpot acesso. Era um crente devoto do amor à primeira vista, que vira a acontecer em dezenas de filmes deliciosos tornados possíveis, mas mais impossíveis circunstâncias.”

A última crónica – estou à espera que pegue nela e a transforme num guião para um filme –, “Crescer em Manhattan“, é uma história de amor sem dramas, nem desilusões, uma história de duas pessoas de meios diferentes, com histórias diferentes, mas com gostos e interesses comuns e com uma grande vontade de rir juntas, que se apaixonam. Ele entra no mundo dela e vivem felizes …. Não para sempre, mas até fazer sentido para os dois…. E nessa altura ele sai, sem dramas, nem ressentimento e sem cenas trágicas como os filmes gostam de explorar.

Porque às vezes o fim está na descoberta de diferenças inconciliáveis, “A capacidade dela para retirar prazer de cada filme, peça ou refeição medíocres incomodavam-no, e atribuía-o à falta de critério dela. Ela, por seu lado, achava-o hipercrítico e incomodativo, com a ladainha de queixas psicossomáticas.”

Será que já vos deixei com vontade de se rirem com o Woody Allen? Espero que sim, porque um dos lados bons da leitura é fazer com que esqueçamos os momentos menos bons da vida.

Boas leituras e aproveitem o tempo que convida a esta companhia sempre tão prazerosa e surpreendente… os livros são sempre uma companhia que não desilude nem enfastia.

* Escreve, regularmente, a crónica literária “A Páginas Tantas”
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