A União Europeia fica na Bélgica
Neste tempo eleitoral vai-se dizendo que os portugueses se saturam de tantas idas à urna e que uma boa parte da abstenção das últimas eleições europeias, que ultrapassou os 60%, se deveu ao stress eleitoral. Está assim, depreende-se, a democracia excessivamente dependente das cronologias eleitorais, pese embora, esta não se deva esgotar em tais atos, ainda que para o comum dos cidadãos portugueses tal seja a realidade.
Na verdade, os ciclos eleitorais vão sendo alterados, encurtados e precipitados. Até há pouco tempo, as demissões faziam parte de uma avaliação de resultados eleitorais que os governantes e os seus partidos realizavam e delas tiravam as ilações. Atualmente, acresce as investigações do Ministério Público e, aqui e ali, alguma pressão exercida pelo Ex.mo Sr. Presidente da República que leva a sua magistratura, por vezes, a uma radical influência.
De pouco valeu o voto em mobilidade, o ótimo tempo e outros fatores que se conjugariam, em bom rigor, para produzirem o contrário do que se verificou: uma portentosa abstenção. Creio que aumentou o voto antecipado para uns que não estariam em Portugal no dia das eleições e para outros, a maioria deles, por impaciência em ouvir a campanha eleitoral até ao seu final, não prolongando o seu suposto suplício e acabando por votar a meio da mesma e assim já podendo mudar de canal quando surge o logótipo do tempo de antena, com a mesma música e voz-off introdutória da época da televisão a preto e branco.
Por outro lado, estas eram Eleições Europeias, o que parece acontecer é que o português comum as olha de bom grado perante os apoios financeiros que ouve anunciar, para depois não perceber bem qual é o posto da Sr.ª Ursula Von der Leyen e qual o cargo que, no futuro, poderá ser assumido pelo Sr. Ex. Primeiro Ministro, António Costa. Também vê uma Europa em guerra, apresentando ideias bélicas com o objetivo de defesa, ainda que, nesta Europa que joga o seu campeonato de futebol, passou a fazer sentido a velha frase do futebolês “a melhor defesa é o ataque”. Também se vai entendendo que os ministros portugueses que acompanham a guerra sejam, para além do “primeiro”, o da “defesa” e o dos “negócios estrangeiros”, e que este o é por completo e não só por ser o dos “estrangeiros”.
Também creio que os portugueses pensarão que seu voto vale poucochinho, pois eleger vinte e um deputados em setecentos ridiculariza o nosso passado como país. Talvez não tenhamos dado nova Europa à Europa, mas, como dizem os livros épicos da História de Portugal, seguramente os nossos descobridores deram novos mundos ao mundo.
Outra das razões da abstenção é o facto de a União Europeia ficar longe. Parece então ser algo que se situa na Bélgica, porque é para aí que os deputados eleitos vão trabalhar mesmo sabendo que irão ter problemas de vitamina D, pois perdem o sol das nossas belas praias e os bons estufados de fim de semana por melhor que seja o bacalhau que o Restaurante “O Bifanas – Chez Sebastião” possa confecionar, lá para os lados da Dominicains.
No final, e com uma entoação sempre mais carregada de juízos de valor, o jornalista da televisão avança uma outra razão de tal abstencionismo, como cumulativa hipótese: o descrédito da política e dos políticos confrontados entre a promessa e a execução, como mais um dos motivos pelos quais, nem em mobilidade, houve mais portugueses a votar. Porém, esta razão já não me parece colher da mesma forma das restantes.
Ao contrário do cartaz, do outdoor, da preparação de comícios, das bandeiras, mesmo que compradas nos chineses, e das deslocações de campanha, a verdade é que a promessa é gratuita e só depois colocada nestas plataformas. Alguma memória poderá tentar cobrá-la, porém, logo se sobrepõe outras, tantas vezes afinal a mesma, reciclada. Desta forma se passa à sobremodernidade sem cumprir as tarefas da modernidade. E assim sucessivamente.
Há séculos que nos prometem o céu
Ora, é neste campo das promessas que não creio ser entendível o valor que se lhes dá na política nacional e internacional. Bem vistas as coisas, crescemos neste, maioritariamente, católico país, e creio que noutros países, ainda que de forma diversa, mas com o mesmo significado, a de ter o céu como o objetivo da vida para além morte.
A verdade é que nos prometem o céu e não sabemos se tal é ou não cumprido, nem me parece possível vir algum dia a saber. No entanto, apesar desta incerteza, mantemo-nos fiéis a esta proposta política de um qualquer invisível futuro. Não é uma promessa oferecida, mas negociada. Está presa a determinados comportamentos, condicionando toda a vida de quem aspira a tal fim de linha.