As atuais alterações climáticas são a ponta do iceberg de uma verdade científica incontestável: a atividade humana está a ter um impacto negativo no nosso planeta. Estamos, como descreveu o secretário-geral das Nações Unidas António Guterres, no “ponto de ebulição”.
A extrema direita e a onda populista têm ignorado estes factos, tal como aconteceu durante a pandemia. Agitam medos e amplificam a desinformação nas redes de forma sistematizada.
Apesar da apropriação de certos temas por certas tribos políticas, é óbvio que só um planeta mais verde garante um futuro para todos. Isso implica mudanças reais nas atitudes e comportamentos de cidadãos, empresas e estados.
Mas serão todos os planos amigos do ambiente verdadeiros? Ou será que esta onda verde pode esconder desigualdades sociais que esquecem os que vivem à margem?
Fiquei com estas questões pendentes depois de ler o excelente artigo “The Great Serengeti Land Grab” da “The Atlantic”. Nele, a jornalista Stephanie McCrummen descreve as alterações dramáticas que os Maasai estão a sofrer. Um povo que há centenas de anos vivia em harmonia com o ecossistema está a ser profundamente ameaçado. Por um lado, pelo ecoturismo urbano que pretende um cenário puramente “selvagem” e sem vestígios de qualquer pegada humana.
Outra ameaça aos Maasai é o brutal saque por aqueles que têm à sua disposição tudo o que uma fortuna sem ética pode comprar: liberdade para caçar de forma indiscriminada. África transformada mais uma vez num espaço de diversão e exploração dos mais ricos.
E assim, muitos africanos dessa tribo são arrancados do seu meio e obrigados a viver em ambientes urbanos cinzentos. Sem acesso ao seu espaço, onde costumavam ter os seus animais eles ficam sem a sua habitual subsistência e são forçados a ter empregos precários como, por exemplo, na área da segurança, devido à sua fama de coragem sem par.
Encarar estes problemas de frente não é estar alienado do problema ambiental. É, parece-me, contribuir para uma ecologia em que os direitos humanos universais entram também na equação.
O discurso exclusivamente apocalíptico em que a Terra estaria melhor sem os seres humanos não “desperta” a multidão e pode, paradoxalmente, contribuir para o aumento do número de indiferentes.
Como afirmou Tolentino, “temos de dar mais valor político à esperança”.