A vida de Paulo Lencastre é um dos maiores testemunhos de que existe, efectivamente, um “bichinho da rádio”. Iniciou-se aos microfones ainda nas rádios piratas e, desde então, nunca mais conseguiu desligar-se da rádio. Tanto assim é, que criou a sua própria emissora, a Rádio Ovos Moles. A partir do pequeno estúdio que montou em casa, emite, diariamente, de Aveiro para todo o mundo. Do lado de lá vão estando muitos portugueses que optaram ou tiveram que emigrar. Paulo Lencastre gosta de receber as suas mensagens e comentários. Só tem pena que a Rádio Ovos Moles não tenha ainda conseguido conquistar a mesma fama na sua própria terra.
Apesar de ter nascido em São João da Madeira, há 49 anos, foi em Aveiro que viveu toda a sua vida - veio para a cidade da ria com cinco meses –, fez os seus estudos e desenvolveu a sua carreira. Trabalhou sempre rodeado de livros - é informático na Biblioteca Municipal de Aveiro -, mas foi aos discos e às cassetes que dedicou grande parte dos seus tempos livres.
Tudo começou por volta de 1983/84, “quando andava a estudar na Mário Sacramento, na altura Escola Comercial. Gostava muito de ouvir rádio, tinha sempre música de fundo”, recorda. Não tardou muito a passar de ouvinte assíduo a radialista num percurso que o levou a passar por várias emissoras locais. “Estive na antiga Rádio Independente de Aveiro, a RIA; na Rádio Regional de Aveiro, também; fiz um pezinho na Moliceiro, mas onde estive mais tempo foi na Terra Nova, com um programa da Paróquia da Glória, o ‘Notas de Esperança’”, conta.
Acompanhou de perto o processo que obrigou as rádios piratas a silenciarem-se, a 24 de dezembro de 1988, para poderem legalizar-se e voltar a emitir em meados de 1989. E verdade seja dita, a sua emissora, a Rádio Ovos Moles, também começou por ser uma rádio pirata. “Comecei por alterar um pequeno walkie talkie para que as pessoas pudessem ouvir a minha emissão através de uma frequência na rádio. Era um walkie talkie ligado a um aparelho de gira-discos, com uma antena amplificada colocada fora da janela e a emitir para os vizinhos”, lembra.
A oportunidade trazida pela Internet
Tal como tantas outras rádios piratas, a Ovos Moles teve que se silenciar após a ordem de fecho de 1988. Ainda assim, o “bichinho” ficou e Paulo Lencastre decidiu aproveitar as potencialidades da Internet para voltar a colocar a sua rádio no ar. “Em 2001, em vésperas do Campeonato Europeu de Futebol, coloquei o site Ovosmoles.net no ar. Começou por ser uma página turística da cidade de Aveiro e à boleia dessa página reinventei a Rádio Ovos Moles e coloquei-a online”, explica.
Passaram já 20 anos, a emissora ganhou morada própria (radio.ovosmoles.net) e os ouvintes têm-se mantido do outro lado do ecrã. Essencialmente, emigrantes espalhados por esse mundo fora, desvenda o radialista, admitindo que a decisão de só passar músicas em português ajuda a explicar este fenómeno. Já Aveiro, lamenta, “não conhece a Rádio Ovos Moles”. “E com muita pena minha, uma vez que é um produto da cidade e da região”, declara.
Paulo Lencastre assume toda a emissão, bem como os respectivos custos de manutenção da rádio – a Ovos Moles não tem publicidade. “No fundo, eu pago para manter este meu hobby”, repara. “Só com muita paixão e também pelo feedback que vou recebendo dos ouvintes”, acrescenta.
Neste ano em que a Rádio Ovos Moles comemora 20 anos de emissão ininterrupta, através da Internet, o seu diretor e programador perspetiva apresentar algumas novidades aos ouvintes. “Tenho o objetivo de abrir a rádio a outras pessoas que, como eu, gostam de fazer rádio, de forma a apresentar novos programas”, desvenda, lançando o desafio aos amantes da rádio: “enviem uma demo do programa”.
Créditos das fotos: Afonso Ré Lau