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O mundo com o qual sonho e acerca do qual não deveria ter que sonhar

Opinião

Catarina Semedo Oliveira

05 de julho de 2019. Os termómetros marcavam 40ºC em Toledo, Espanha. Uma quinta isolada, sem sombras, acompanhada de um nervoso miudinho, tornavam o calor (ainda mais) insuportável. O calor humano, esse, era impressionavelmente aconchegante. Éramos 40 jovens de diferentes pontos do globo, alinhados horizontalmente ao longo de todo o campo de futebol da quinta onde nos encontrávamos. Estava, selecionada pelo Comité Português dos United World Colleges, num Curso de Verão para jovens “agentes de mudança”, com uma bolsa que me tinha sido oferecida pela fundação espanhola Ramón Areces.

De mãos dadas, fechamos os olhos. Soltámos as mãos e ouvímos, ao fundo, as instruções:

“Se vives com ambos os teus progenitores, dá um passo em frente.”

“Se já sentiste medo que a polícia não te protegesse pela cor da tua pele, dá um passo atrás.”

Durante cerca de 25 minutos esta foi a dinâmica. No final, pediram-nos que abrissemos os olhos. Olhei em volta. Sempre me considerei uma rapariga perfeitamente normal. Classe média. E, no entanto, naquele momento, tinha tanta gente atrás de mim! Questões como ser Caucasiana - Europeia - Heterossexual - Cristã davam-me um privilégio sobre o qual nunca tinha refletido. Factos sobre os quais não tinha tido qualquer poder de escolha, colocavam-me um (ou vários) passos mais perto do que tantas outras pessoas que me rodeavam de atingir os meus sonhos. Tornavam mais alcançável a minha vontade de voar. De viver. De ser feliz!

Foi nesse momento que percebi que o mundo não funciona da mesma maneira para toda a gente. E que não é este o mundo em que quero viver. Que no meio de tantas incertezas acerca daquilo que o futuro me reserva, a única coisa que sei é que quero fazer parte da mudança. Que não quero ser mais uma pessoa que, consciente, vive o seu dia-a-dia sem nada fazer para que, um dia, não tenha que ensinar aos meus filhos o significado da palavra privilégio, até porque não posso ter a certeza de que o terão. E não quero ter que sofrer com essa possibilidade!

Com esta certeza, muitas vezes me perguntam o porquê do meu fascínio pela medicina. O porquê de não sonhar com outras áreas que me permitiriam ter uma voz com um tão maior impacto.

A verdade, é que são perguntas para as quais não tenho uma resposta. Sei, ainda assim, que desde pequena sinto um estranho fascínio pelo cheiro a hospital. E que, também em pequena, pensava que talvez fosse algo que tivesse nascido comigo. O destino a dizer-me que, um dia, tinha que ali trabalhar, salvar vidas. Crescendo, comecei a ter vergonha deste invulgar fetiche. A ter medo de me sentir atraída pela vulnerabilidade do ser humano no seu expoente máximo. Afinal, a História da Humanidade torna bastante claro o quão verdadeiramente assustador é o egoísmo do ser humano! A atração pela vulnerabilidade não seria, nunca, algo de que me orgulharia. Agora, percebo que não. Não é a vulnerabilidade que me atrai num hospital. É a essência do ser humano que ali consegue ser demonstrada como não o é em muitos outros locais. É a confiança que depositamos no outro, ao saber que dele dependemos. A comunicação que afinamos para que percebam, exatamente, aquilo que sentimos. É a compaixão pelos que estão ali, no momento em que percebemos que, independentemente de títulos, cores de pele, orientação sexual ou religião, todos corremos riscos e todos precisamos dos que nos rodeiam, igualmente. É esta a essência humana que me atrai num hospital. E é com base nesta essência humana que gostava que o mundo funcionasse.

Afinal, vivemos num mundo em que mais de 200 milhões das raparigas e mulheres sofreram mutilação genital feminina em algum momento do seu crescimento. Em que 160 milhões de crianças são, hoje, vítimas de exploração infantil. Em que a cada 2 minutos, uma criança é infetada com uma doença sexualmente transmissível e a cada 5, uma morre por essa mesma doença. E há uma distância (mais do que geográfica, emocional) que faz com que estes dados não nos digam nada. Não passem de meras estatísticas.

Não é este o mundo com que sonho!

Sonho com um mundo empático. Em que a cada uma destas crianças possamos colocar um rosto. Imaginá-las nossas. E dizer: “Precisamos de uma mudança, já!”. É por isso que gosto tanto de histórias. E de pessoas. De ouvir e de contar histórias de pessoas. Porque sonho um dia poder, através da minha voz, dar a possibilidade aos meus filhos de, ao abrirem os olhos debaixo do tórrido sol de Toledo, olharem à volta do campo de futebol e perceberem que estão lado a lado com os seus pares. Que atingir os seus sonhos depende da sua própria vontade de lutar, e não de circunstâncias que o “mundo” (ou pessoas como nós), decidiram que teriam que importar.

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