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“Escola para boas mães”, de Jessamine Chan

Opinião

A páginas tantas

 

Filipa Matias Magalhães*

Confesso-vos que uma das razões pelas quais escolhi “Escola para boas mães” para ler foi o facto de ter sido uma das recomendações de leitura do Barack Obama para o verão de 2022. Nunca me arrependo das sugestões que faz (e já foram muitas as que segui) pois sei que apontam para livros em que é feita uma reflexão sobre a sociedade muito profunda e nos quais aprendo sempre sobre a desigualdade, racismo, homofobia e tantos dos problemas que afetam o nosso mundo e não so a sociedade americana. Barack Obama é um leitor muito atento e humanista e eu procuro sempre, com as minhas leituras, aprender mais sobre a sociedade e o homem, tornar-me melhor pessoa e dar o meu (pequeno) contributo para a construção de uma sociedade melhor.

Na verdade, não li este livro com o objetivo de aprender a ser melhor mãe, mas também vos confesso que cada vez mais sinto que este é um caminho individual, para o qual não há regras objetivas e universais e que se existisse a “receita” para ser boa mãe, quem a descobrisse ficaria mais rico do que o Elon Musk a vender livros e fazer workshops a divulgar um dos segredos mais bem guardados. Não foi, pois, uma desilusão neste aspeto, pois já sabia que este não era o “livro da sabedoria da boa mãe”, mas a verdade é que a sua leitura permitiu confirmar algumas ideias que já tinha como quase certas. A saber:

1. Que o papel da mulher, e mais concretamente das mães, ainda tem um longo caminho a percorrer no sentido da igualdade;

2. Que em matéria de parentalidade a sociedade é muito mais exigente com as mães - a quem impõe e projeta padrões de conduta idealizados-, do que com os pais, responsabilizando as mães por eventuais desvios comportamentais dos filhos;

3. Que a relação que os outros imaginam existir entre uma mãe e os filhos, com base nos sinais exteriores, não reflete a relação de afeto e cumplicidade que existe entre eles; e

4. Que as mães falham e também têm direito a estar exaustas e não podem ser penalizadas a vida toda pelo que fazem em momentos em que se sentem sós.

“Escola para boas mães” é o primeiro livro de Jessamine Chan onde está retrata a crueldade e constante vigilância da sociedade sobre as mães e a punição constante, em particular das mães não pertencentes à classe privilegiada branca, relativamente às quais a crítica e postura constante de punição é ainda mais evidente. Jessamine fala-nos da sua realidade, a realidade norte-americana e, com algumas diferenças e distâncias (felizmente!) não nos é difícil projetar o seu relato para a nossa sociedade.

Este primeiro livro da autora foi muitíssimo bem recebido pela crítica, tendo sido considerado um dos melhores livros do ano pelo The New York Times, Entertainment Weekly e Oprah Daily.

Ao invés de optar por uma visão sociológica e descritiva da sociedade e do papel da mãe e do Estado enquanto “regulador” das famílias, Jessamine recorre a uma distopia para alertar para o efeito deste papel do Estado que se demite de apoiar e criar redes de apoio para assumir a função controladora e punitiva que, tantas vezes, chega a afastar os filhos dos pais.

Através da criação desta distopia, a autora conta-nos a história de Frida Liu, uma mulher asiática que é abandonada pelo marido três meses depois do nascimento da filha Harriet. Frida fica com a filha ao seu cuidado, partilhando apenas de forma esporádica e pontual a sua responsabilidade com o ex-marido.

Sem rede de apoio familiar e com a necessidade de trabalhar para se sustentar a si e à filha Frida chega à exaustão – e este é um sentimento que todas as mães conhecem, mesmo aquelas que têm a sorte de contar com a participação de outras pessoas na educação dos filhos – e, um dia, sai para ir ao escritório e tomar um café e deixa a filha sozinha em casa durante duas horas.

Naturalmente que não é este comportamento que está aqui em causa, até porque todos sabemos o sentimento que o mesmo desperta em nós, mas perceber o desespero e o estado em que esta mãe se encontrava para o ter feito, apela à nossa humanidade e empatia. Humanidade e empatia que, os mesmos vizinhos que nunca lhe prestaram apoio, não tiveram e, de imediato contactaram as autoridades que retiraram a filha à mãe.

É aqui que a história tem o seu epicentro, quando Harriet é entregue ao pai e à nova companheira e é dito a Frida que, para recuperar a filha terá que integrar um programa do Estado e ser enviada para uma escolha que ensina as mães a serem “boas mães”, na ótica exclusiva do Estado. Se é verdade que o Estado adota aqui, através do seu poder judicial, uma postura muito mais punitiva relativamente às mães, não é menos verdade que as que não pertencem à classe privilegiada branca, são tratadas de pior forma e olhadas com muito mais desconfiança nas suas capacidades para exercerem este papel. E Frida, repara que, até aí, ela que sempre se sentiu discriminada, se pode considerar num patamar social que não é o pior. Nas suas palavras, ela “Não é vietnamita nem cambojana. Não é pobre. Os juízes são, na sai maioria, brancos, e juízes brancos tendem a dar às mães brancas o benefício da dúvida, e Frida é suficientemente pálida.”

Ao longo de 12 meses, Frida vai estar a viver nesta escola, juntamente com outras mães – também elas, na ótica dos juízes, más mães – para aprenderem a ser boas mães, com um plano curricular diverso e em que lhes é dado um boneco para que possam testar o que estão a aprender. A relação que estabelecem com este filho robot vai ser monitorizada a toda a hora, pelas sensações indevidas que possam estar a passar, pela ausência de afeto, pela negligencia demonstrada ou outros sinais que lhes possam dar uma má classificação com base numa escala e em critérios de avaliação que o Estado decide serem os corretos. Este Estado que tudo vigia e pune, mas que pouco ajuda.

Esta é a escola que promete ajudá-la a ser melhor mãe: “Para recuperar Harriet, Frida tem de aprender a ser uma mãe melhor. Tem de demonstrar a sua capacidade de ter sentimentos maternais genuínos, melhorar o seu instinto maternal, mostrar que consegue merecer a confiança dos outros. No próximo mês de novembro, o Estado decidirá se ela progrediu o suficiente. Caso contrário, perderá os seus direitos parentais.”

São surreais os cenários criados para “testar as capacidades” das mães e, por vezes, tao difíceis que parecem impossíveis de superar:

“- E se eu não conseguir?

- O teu negativismo é muito perturbador, Frida. Essa coisa de não conseguir não existe. Já alguma vez ouviste uma de nós a dizer que não consegue seja o que for? Tens de dizer a ti própria: ‘Eu consigo! Eu consigo!’ Tira não consigo do teu vocabulário. Uma boa mãe consegue tudo.”

Não deixa de ser divertido acompanhar alguns dos “exercícios” criados para por à prova as mães, porque todas sabemos que, no contexto certo, com as condições adequadas e afastando todos os problemas, todas tiraríamos nota máxima no exame, a dificuldade está em superar as condições adversas. “Estamos a colocar-vos em cenários de alta pressão para que possamos ver que tipo de mães são. A maioria das pessoas podem ser bons pais, se não tiverem absolutamente nenhum stress. Temos de saber que vocês são capazes de lidar com os conflitos. Cada dia é uma pista de obstáculos para uma mãe.”

Esta história, embora recorra à ficção, faz-nos olhar para uma realidade para a qual hoje podemos olhar, embora muitas vezes nos neguemos a esse “luxo”: as mães também ficam exaustas e precisam de ajuda e não é isso que faz de nós piores mães. “Quando finalmente falaram sobre isso, a mãe dissera: “Tirei isso da minha cabeça. Só vocês, raparigas hoje em dia, é que pensam, pensam e pensam. Eu não tive tempo para fazer isso. Isso é um luxo. Não pude ficar abalada. Tinha de trabalhar.”

Retirando os momentos divertidos, sobretudo pela realidade paralela em que os mesmos são apresentados, este livro deixa uma mensagem muito clara sobre o papel da mãe e as suas dificuldades, cada vez maior numa sociedade em que o equilíbrio entre a profissão e a maternidade nos exigem tanto, mas sobretudo sobre o peso constante e a critica constante a que estamos sujeitas. De facto, de uma forma felizmente não tão grave como Frida, todas sentimos tantas vezes a critica e a autopunição constante pelo facto de não correspondermos ao papel e ao perfil que a sociedade, os outros e nós próprias nos impomos.

É também interessante – e até pela distopia e pelo exagero das situações criadas – refletir sobre o que é isto de ser boa mãe. Sabemos todos que situações de negligência, maus tratos e a pratica ou encobrimento de comportamentos criminosos são comportamentos de má mãe e que criança nenhuma deve estar sujeita a outra coisa que não seja amor, cuidado e educação, mas o que é isto de ser boa mãe (para os olhos dos outros que não são pais dos nossos filhos) é a verdadeira questão e para a qual não é este o livro para encontrarmos a resposta.

A distopia não é, pois, total, pois os pais de bancada (sejam eles entidades individuais ou coletivas) que tanto gostam de sugerir “táticas de jogo” são o reflexo de uma sociedade que pune muito mais do que ajuda.

Mais uma vez vos digo que Barack Obama nunca desilude nas suas sugestões literárias que apelam ao nosso lado mais humano, à nossa solidariedade e ao nosso olhar atento para os problemas da sociedade que, tantas vezes, nos passam ao lado.

Por isso, para quem quer aprender a ser boa mãe – eu quero e morrerei a tentar, mas, como na canção dos Xutos e Pontapés, estou a fazê-lo “À minha maneira” – este não será o livro com os ensinamentos certos de parentalidade, mas para todos aqueles que sabem que esta é uma das nossas mais difíceis missões e para a qual não há segredos e que a critica externa dói e não ajuda, este é o bom livro para treinar “mais amor e empatia e menos crítica”.

Boas leituras e até às próximas páginas!

* Escreve, regularmente, a crónica literária "A páginas tantas"

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