Três ideias para completar:
- A minha vida sem livros seria... Incompleta
- Escrever é... Pensar e sentir com os dedos
- Desde pequeno que vejo nos livros... O mundo que me falta
Três perguntas de resposta imediata:
- Livro ou Kindel? Livro
- Escrever a computador ou em qualquer papel que tenha à mão? Ambos
- Escrever ou ler? ambos
O seu romance de estreia “No meu peito não cabem pássaros” tem por cenário uma onda de pânico que se vive em 1910 com a passagem de dois cometas pela terra, 120 anos mais tarde, vivemos todos à escala global uma onda de pânico causada por um “inimigo” menos visível e conhecido e tentou difundir-se a ideia que todos ficaríamos melhor. Como imagina Karl, Fernando e Jorge a viverem na crise pandémica da Covid 19?
Da mesma forma com reagiram ao pânico de 1910. Com distanciamento, introspecção e uma grande dose de imaginação para transformar o que assusta no que deslumbra ou encanta, ou desassossega os leitores. São três personagens da literatura, e é para isso que a literatura serve.
Para além da linguagem maravilhosa que borda, de forma tão singular, um tapete usando cores e pontos onde é nítida a influência de Kafka, Pessoa e Borges, desafia neste livro o estereotipo do homem “que não chora” e apresenta-nos três homens sensíveis, numa altura em que ainda não era muito frequente essa desconstrução de estereótipos. De alguma forma sente que o seu livro pode ter ajudado a contribuir para essa desconstrução?
Na verdade, creio que esses estereótipos são mais do cinema, a literatura sempre apresentou homens frágeis e sensíveis. Há mais cowboys nos filmes, não tantos na literatura. Mesmo o Hemingway, que representava, de algum modo, o macho alfa tem personagens masculinas muito frágeis.
Valter Hugo Mãe – que muito elogiou o seu livro – escreveu quatro anos mais tarde o livro “Homens imprudentemente poéticos”, um livro em que também nos apresenta dois homens “diferentes” do comum e conscientes dessa diferença. Sente que foi importante desmontar ideias pré-concebidas e apelar ao lado mais sensível de todos nós? Homens e Mulheres?
O Valter é um grande escritor e um amigo. O nosso trabalho é desmontar ideias banais e montar outras que possam ser mais profícuas, trocar as voltas ao mundo e entrar pelos nervos e sensibilidades dos leitores, abanando-os, surpreendendo-os e brincando com eles.
Na pandemia, estava muito presente esta ideia de que a crise que vivíamos ia “salvar e humanizar” a sociedade. Considera a sensibilidade a chave para a salvação da humanidade?
Não há uma única coisa que possa “salvar a humanidade”, temos de lutar imenso e de forma inglória, todos os dias, a todas as horas, para irmos salvando de nós o que vai sendo possível. Talvez os livros salvem de nós o melhor que temos.
Para além desta negação do estereótipo do homem que não chora e não mostra sensibilidade, o seu percurso também desconstrói outro preconceito: a ideia de que as ciências exatas e a literatura estão nos antípodas. E embora sejam vários os exemplos que negam esta ideia, no seu caso, como conjuga estas duas áreas tão distintas?
Há muitas coisas que unem ciência e literatura, mas talvez a principal seja mesmo a curiosidade. Perante o mundo, perante os outros, perante nós mesmos. O escritor e o cientista têm de permanecer meninos abertos ao espanto, se não nada vale a pena. A linguagem também é importante e a exactidão científica não é tão distante da exactidão literária como por vezes se pensa. São as palavras ao serviço das ideias, a seguirem à nossa frente em busca de sentido.
O grande Eça de Queiroz tem, tal como o Nuno, uma ligação a Aveiro, porquanto embora não tenha nascido cá, passou uma parte da sua infância e juventude em Aveiro em casa da avó paterna. Aveiro inspira a escrever? O que levou, para os seus livros, da sua passagem por Aveiro?
O meu primeiro livro, “No Meu Peito Não Cabem Pássaros” foi terminado em Aveiro e o segundo, “Debaixo de Algum Céu” foi escrito lá também. Aveiro tem o céu e o mar, tem silêncios de gaivotas e uma luz esquisita, que deve ser olhada de forma oblíqua. O olhar oblíquo é próprio da literatura, talvez por isso a cidade se preste aos melhores devaneios.
Outra fonte conhecida de inspiração é o mar. O Nuno é da Figueira da Foz e fez parte da sua investigação em Aveiro, duas cidades onde os nossos dias têm como banda sonora o barulho das ondas do mar e a calma ou inquietação que este nos imprime. Tem um cenário ideal para escrever ou inspira-se com as situações e contextos mais simples e inusitados?
Tudo pode inspirar: o mar, sim, o silêncio, sim, mas também o ruído da vida, os desconhecidos que passam ou nos olham por um instante, pássaros são inspirações com asas, cães, gatos, uma televisão em silêncio, uma música antiga, a flauta do amolador, a conversa da vizinha, um vento a assobiar. A Figueira e Aveiro são cidades cheias de vento e o vento é bom porque vem não se sabe de onde e vai para onde quer.
O Nuno começou o seu percurso como escritor com as crónicas e só mais tarde se aventurou no romance e na aventura (que me parece mais ousada ainda, mas muito bem conseguida, no seu caso) dos livros para crianças. Como escritor foi-se desafiando e saindo da zona de conforto. Como nasceu o Nuno como leitor, quem o levou a ler e quais as suas maiores referencias literárias?
Os Verões da infância eram enormes e os livros redentores. Primeiro a banda-desenhada, de que ainda gosto muito, logo as aventuras, os Cinco, o Júlio Verne, o Conde de Monte Cristo depois o mundo foi crescendo página a página, até Kafka, Fernando Pessoa, Eça, Umberto Eco, Italo Calvino, Herberto Hélder, Borges… Até hoje.
Se no início vos sugeri o seu "No Meu Peito Não Cabem Pássaros", confesso-vos que também me encantou o livro "Debaixo de Algum Céu", livro com o qual venceu o Prémio LeYa e garanto-vos que se vão deliciar com qualquer um destes livros, desafiando-vos ainda a lerem “O fogo será a tua casa” ou, para os adultos que não querem deixar de ser crianças e para os vossos filhos, “A casa das perguntas”, “O que veem as estrelas” e “Não acordem os pardais”. Aceitem este desafio de voltarem à infância e pensarem com o espírito aberto, cheio de dúvidas e capacidade para nos deixarmos surpreender com as respostas que não confirmam o muro de certezas inabaláveis que vamos construindo ao crescer e que nos serve de fortaleza.
Boas leituras e até breve!