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A páginas tantas: "Gente Ansiosa", de Fredrick Backman

Opinião

A páginas tantas

Filipa Matias Magalhães*

O pior assaltante do mundo, completamente inexperiente, mas muito desesperado para “salvar” os seus amores, encontra por mero acaso uma pistola de brincar e sem intenção de magoar ninguém, sem um plano definido, são o ponto de partida deste romance. Um romance que fala sobre os pais e as dificuldades do divórcio, sobre a dificuldade que é viver com tantos problemas e dificuldades, sobre o amor nas suas várias formas, sobre o aceitar o outro com as suas diferenças e também sobre como é difícil saber o que fazer numa sociedade como esta. “Não admira que as pessoas andem confusas e que a sociedade esteja a ir por água abaixo, quando nos vemos rodeados de café sem cafeina, pão sem glúten e cerveja com álcool.”

Este é o tom que podem esperar deste livro: uma abordagem descontraída e divertida, sem deixar de ser séria e muito pertinente, aos problemas das pessoas, das suas vidas e também da sociedade. Garanto-vos que o humor está presente na maior parte das páginas e este livro vai apelar à vossa empatia para com os outros e o mundo.

O romance desenrola-se numa ponte, num apartamento para venda e numa esquadra de polícia e intercalando os interrogatórios judiciais com os vários momentos da história vai-nos apresentando os oito reféns – provavelmente o pior grupo de reféns que possam imaginar – e as suas histórias, medos, expectativas, ansiedades, erros e frustrações.

Na véspera de Ano Novo, um assaltante completamente inexperiente e perdido, depois de uma tentativa frustrada de assaltar um Banco de moeda virtual, entra num apartamento que está a ser mostrado para venda e faz reféns todos os visitantes que aí se encontram. Todavia, estes reféns são, também eles, insólitos pois nenhum deles se mostra particularmente receoso do “assaltante” ou da situação em que se encontra. Temos então a conjugação perfeita: provavelmente o pior e mais impreparado assaltante de sempre e um grupo de reféns que não está muito preocupado com este sequestro, tal é a dimensão dos problemas que verdadeiramente os afligem.

Os oito reféns são completamente desconhecidos entre si, mas todos têm uma história para nos contar, uma historia de medos e ansiedades, de expectativas e frustrações, de erros e, sobretudo, uma história sobre as várias formas de amar. Todas as personagens são especiais e é fácil identificar-nos com algumas das suas caraterísticas, problemas ou momentos. Invertendo a separação de papéis mais tradicional, dois dos reféns são um casal de recém-aposentados em que a mulher procura compensar o marido pelo “sacrifício” que fez pela família para que ela pudesse dedicar-se à sua carreira e está disposta a acompanhá-lo no seu “novo hobby”.

O autor aproveita a história de uma das reféns para criticar o papel dos bancos na crise financeira, e apresenta-nos a diretora de um banco, uma mulher sem grandes preocupações morais, muito bem-sucedida e focada no seu trabalho e que foi construindo, na sua vida, barreiras às outras pessoas e aos seus problemas, ao amor e à vida. Temos depois um casal de duas mulheres prestes a ter o seu primeiro filho, que discutem constantemente e quase nunca concordam entre si, com muitas diferenças, mas que se ama profundamente e revelam uma grande preocupação uma com a outra e com a família que estão a construir. Personificando um dos problemas da sociedade atual, uma das mulheres é uma mulher de 87 anos que se sente abandonada pela família que procura companhia para os últimos dias da sua vida e, também, um bocadinho de emoção. O último refém é um homem mascarado que entra no apartamento para boicotar a apresentação do apartamento e acaba por se barricar na casa de banho.

Com histórias de vida tão diferentes e sem grandes pontos de contacto, todas as personagens partilham o mesmo anseio: todas esperam desesperadamente que alguém ou alguma coisa as resgate dos seus problemas, como se o facto de terem sido feitas reféns no apartamento fosse um problema menor face ao verdadeiro resgate pelo qual anseiam.

Este grupo de oito personagens é completado pelos dois polícias que conduzem a investigação. Pai e filho, colegas de trabalho, que partilham uma história de vida difícil: uma mulher e mãe muito exigente que já faleceu, e uma filha e irmã que abandonou a casa pelo vicio das drogas. Este pai e este filho vivem sozinhos, na casa onde já viveram quatro, e trabalham em conjunto. Partilham 24h00 por dia e 7 dias da semana e não concordando um com o outro na maioria das vezes… nem quanto à cerveja preferida…. mas têm uma amor profundo e uma enorme preocupação um com o outro.

O que mais me cativou neste livro foi a forma como uma escrita tão fluída e divertida nos faz refletir sobre a forma ligeira como tantas vezes julgamos o que desconhecemos, tiramos as nossas conclusões com grande leviandade e impomos o nosso sentido ético e moral sem conhecer a vida, os erros e os amores que se escondem atrás de cada pessoa e determinam e justificam as suas decisões. A leitura deste livro apela à nossa empatia e compreensão e fá-lo duma maneira divertida, mas incisiva “A maior parte dos adultos já passou por vários momentos muito maus, e é óbvio que nem mesmo as pessoas felizes conseguem estar sempre contentes a toda a hora”.

Porque, afinal, todos nos achamos muito especiais e diferentes dos outros, mas a verdade é que temos mais em comum do que julgamos, somos todos humanos e “é difícil ser humano”: todos amamos “à nossa maneira”, todos temos as nossas obsessões, todos nos sentimos frustrados com alguma coisa e, sobretudo, todos (ou quase todos) estamos reféns de uma historia de vida e à espera de ser resgatados.

Esta é uma história de pessoas normais e podia ser a história de qualquer um de nós ou das pessoas que nos são próximas. Quem é o pai que não faz tudo pelos filhos? Quem é a mulher que não sente necessidade de “compensar” o marido pelos sacrifícios que fez pela família? Quem é o idoso que se sente abandonado pela família e o que mais pede é companhia? Quem é a pessoa que, a dada altura da sua vida, desiste do amor e da compaixão e desenvolve uma obsessão pela profissão? Quem não passou por uma relação onde o conflito e discussão constantes são o resultado das diferenças culturais e de educação, mas nunca mais fortes do que o verdadeiro amor? Quem não quer mostrar aos outros que é bom? Quantos de nós não desesperamos porque não sabemos o que estamos a fazer e queremos mostrar aos outros toda a segurança?

Uma história simples e divertida que, se estivermos atentos, nos vai fazer refletir sobre os preconceitos, os nossos conceitos de ética e moral mas, sobretudo, é um apelo à empatia pois é impossível não nos revermos, num ou noutro momento, nos relatos do autor. “- Sabes qual é a pior parte de ser pai? É que somos sempre julgados pelos nossos piores momentos. Podemos fazer um milhão de coisas bem, mas se fizermos uma coisinha de nada mal, somos para sempre o pai que estava a olhar para o telemóvel no parque quando o filho bateu com a cabeça no baloiço.”

O livro é recheado de pormenores e de pequenas lições, como o preconceito inicial da avó de 87 anos que se refere ao casal de mulheres como “pessoas de Estocolmo” para evitar a referência à homossexualidade, e acaba por se revelar muito amiga e compreensiva com os seus problemas ou quando a mesma senhora, com alguma vergonha, revela que traiu o seu marido sem ter qualquer contacto físico com o vizinho com quem trocava livros. É delicioso como o autor semeia pequenas histórias que nos fazem pensar sobre as vivencias únicas e especiais de todas as pessoas!

Este livro faz-nos questionar o nosso quadro de valores e perguntar se pode haver motivos válidos para atos que normalmente condenamos: como assaltar um banco (ou, pelo menos, tentar) ou até mesmo, forçar a venda de produtos financeiros que sabemos que vão levar os clientes à falência.

“A verdade? A verdade em relação a tudo isto? A verdade é que esta foi uma história sobre coisas diferentes, mas principalmente sobre idiotas. Porque todos tentamos fazer o melhor que podemos, a sério. Tentamos ser adultos e gostar uns dos outros e perceber como raio é que se enfiam as fichas USB.”

* Escreve, quinzenalmente, a crónica literária “A páginas tantas”
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