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Porque não o feriado municipal de Aveiro a 16 de maio?

Opinião

Virgílio António Nogueira

A procissão em honra de Santa Joana,que se realiza a 12 demaio, é umabonita coreografiado ritual de veneraçãocatólica. A dimensão estética do desfile de devoção à beata vai para além do reduto dos gostos quer do crentequer do estudiosodeteologia.

Está no domínio do ser humano,ente gregário,que se liga à espiritualidade e àtranscendência; por isso se fixa,o cortejo,também,nosâmbitossociológico e antropológico.

O céu e a luzde maio contribuem para que a procissão ofereça imagens da religação entrea terra e o firmamento.Deixamapairar anoção de que a urbe está, de facto, a ser abençoada desde a omnisciência e a omnipotência do universo.

A romagem constitui um momento de celebração da Padroeira da cidade de Aveiro, do exemplo de abnegação e castidade que os historiadores e exegetasatribuem à filha de Afonso V. Ela que abdicou do título de rainha ao decidir rejeitar o casamento com monarca de outro reino, que se furtou à concupiscência dos dias e dos vícios cortesãos para habitar a casa austera,na então Vila de Aveiro, o Convento de Jesus.

A opção da princesa por Aveiro permitiu que a localidade beneficiasse de privilégios que de outra forma nãolheseriam concedidos. A beneficência de Joana elevou-a ao patamarda admiração popular que se foi perpetuando e não esmoreceu nos anos que correm.

A gratidão deveser um valor público acarinhado e fomentado. Por isso, a vivência da celebração de Joana, em especial a procissão que veneraa sua santidade, afirma-se como relevante marca identitária aveirense, indeclinávelmesmoperante o afrouxamento do fervor religioso ou omodernovigor do ateísmo, do agnosticismo ou mesmo do crescimento dos militantes dereligiões que disputam o mercado confessional com a igreja católica.

Dito isto, surge-nos frequentemente a lembrança de que o feriado municipal, o 12 de maio, que assinalao dia da morte da princesa Joana, foi anteriormente, e já depois da revolução democrática de 25 de abril de 1974, comemorado nodia 16 de maio.

Foi nesta data que, em 1828, em Aveiro, eminentes políticos,militares eopovo, tendo tomado a afeição liberalistae o amor à liberdade, participaram na revolução liberal, oferecendo-lhe todos os préstimos de que dispunham, incluindo a vida.Não se trata, como é consabido,de uma dádivaretórica; o seu sangue foi realmentederramado e as vidas perdidas não foram metáforas, mas mortescom certidão de óbito,decorrentesda injustiça e da crueldade dos opositores.

Aveiro é consideradaa cidade berço da liberdade por ter sido a terra mãe da revolta liberal, que tevecomo ideólogo e ativista principal da revolução, enquanto paieestratega,o Conselheiro José Joaquim Queirós, avô do escritor Eça de Queirós, cujos vestígios da residência ainda são visíveis emVerdemilho. Foi condenado ao cepo, na sentença que reza: “do infante, perverso e façanhoso réu Joaquim José de Queirós mostra-se haver sido não só o mais atrevido e ousado conspirador e autor das tramas e maquinações que urdiram e prepararam o horroroso atentado de 16 de maio (…)”.

Clemente de Morais Sarmento, Sargento de Caçadoresn.º10, e Francisco Manuel Gravito, Conselheiro de Estado,foram, entre outros irmãos de doutrina,igualmente heróis da causa e, tal como outros liberalistasaveirenses, vítimas do cárcere eda forca, por serevoltarem contraD. Miguel e seus apaniguados, que faltaram à promessa jurada de cumprir a Carta Constitucional.

1.Miguel representava os interesses absolutistas, o poder total requerido e exercido pelo monarca, sem outra legitimação que não a unção e graça divinas. D. Miguel não falseou apenas o cumprimento da Constituição, encenou a reunião dos três Estados do Reino, instrumento usado para manter a fidelidade da aristocracia e do alto clero ao sistema estabelecido, e assim fazer desvanecer a propagação nacional dos ideais e as transformações das revoluções inglesa e francesa que implementariam a monarquia constitucional e a república, respetivamente. Inspirados pelos livros dos filósofos e escritores iluministas, pelos exemplos políticos advindos do estrangeiro, os liberais portugueses pretendiam introduzir na legislação nacional a divisão de poderes que Montesquieu definiu e que ainda hoje perdura: executivo, legislativo e judicial. Ambicionavam, ainda, a economia aberta à burguesia, a Educação pública alargada, o direito de voto estendido (ainda que limitado), a liberdade de expressão e a maior distribuição da riqueza gerada. Ou seja, pretendiam que a Lei limitasse o longo braço do jugo real e que a discricionariedade legislativa, executiva e judicial, que estando nas suas mãos conferiam ao titular régio o poder absoluto, tivesse fim. O parlamento devia defender os distintos interesses sociais e os tribunais deviam julgar de acordo somente com a racionalidade legal.

2. Pedro defendia os ideais liberais, e disputaria com D. Miguel a governação do reino.

Como então se interpretara,e hoje se confirma,os aveirensesMártires da Liberdadeestiveram do lado certo da história, se o entendermos como caminho para a liberdade e para a dignificação do ser humano.As “cabeças cortadas” destes homens lembram-nos o terror que encerrou as suas vidas, ador profundaque deixaram nas suas famílias, o opróbrio quepassaram paraqueos portugueses e paraquePortugaltivessemmelhor e mais próspero futuro.

A partir do cárcere, antes do carrasco o matarem 1829, por sentença da Alçadado Porto,Gravitodeixou estas palavras à sua filha única: “A vicissitude da sorte, querida filha, tão variável como a chamada fortuna, colocou o teu carinhoso pai na lista dos criminosos, e hoje é vítima do ódio, da vingança e da arbitrariedade.

Próximo já dos últimos momentos, de ti me recordo com vivíssima saudade; eu te consagro os meus suspiros, como o vínculo mais doce, que prende a minha existência, a tua memória me é cara e no meu inopinado infortúnio tua imagem querida existe a par de mim; tu perdes um pai, o melhor de teus amigos; ele é roubado ao teu coração inocente para ser votado ao cadafalso; mas nem por isso é hoje indigno de ti (…)”.

Arevolução liberal de 1828 falharia, mas das suas cinzas renasceria, no desembarque do Mindelo,em 1832, o prélio pelo liberalismo e pela consagração da Carta Constitucional como Lei Fundamental. Dois anos de tremenda guerra civil terminam na Convenção de Évora-Monte a 26 de maio de 1834.D. Pedro IV passa a reinar em Portugal.

A disputa entre o Absolutismo e o Liberalismo terá sido ocasiãodefinidorado que comummente se distingue entreo reacionarismoe as forças progressistas.

Muito prestigia Aveiro o comprometimento destes seus filhos com uma causaque desejava o progresso,advogando princípios que tenderam para a democracia e para o Estado de Direitocomo ora os conhecemos. Ao longo dos tempos a nossa comunidade soube honrar e valorizar o contributo inestimáveldos Mártires da Liberdadepara a evolução e o desenvolvimento do país, atribuindoosnomesdos justiçadosaruas e praças da cidade.

Em 1866 foi inaugurado no cemitério central o monumento aos mártires da causa da liberdade.

A 26 de Dezembro de 1909, para comemorar o primeiro centenário do nascimento de José Estêvão, reconhecido tribuno e defensor do Liberalismo, é erguido por iniciativa do Clube dos Galitos o Obeliscoda Liberdade, na praça Joaquim Melo Freitas,tambémelededicado à “parte brilhantíssima que esta cidade teve nasluctasliberaes”, especialmente o papel de um conjunto de notáveis aveirenses que participaram na Revolução de 1828. Francisco Manoel Gravito de Veiga e Lima, Manoel Luiz Nogueira, Clemente de Mello, Soares de Freitas, Francisco Silvério da Carvalho de Magalhães Sobral, Clemente Moraes Sarmento e João Henriques Ferreira são alguns dos nomes que se destacam no contexto das lutas liberais na cidade de Aveiro.

Em 1928 o jornalista Francisco Manuel Homem Cristo exorta às comemorações do centenário da revolução, no manifesto que aqui se reproduz parcialmente: “Aproxima-se o dia 16 de maio, que é uma das datas mais gloriosas da história desta ilustre cidade de Aveiro.Foi nesse dia que, há cem anos, um punhado de filhos da terra ergueu ousadamente o grito de revolta contra o absolutismo, grito que se estendeu a todo o país. Aveiro ficou desde então berço da liberdade portuguesa, muito justificadamente. Não se pode esquecer essa data.”.

Em 1956, por influênciabenignado Dr. Mário Sacramento, realiza-se no Salão Aleluia, em Aveiro, a conferência de Jaime Cortesão sobre os Mártires da Liberdade, ocasião para o historiador se pronunciar:“Muitos dos que então entraram nessa revolução vieram a pagar com a cabeça no cadafalso, com a perda de bens, com a prisão, com o sofrimento, com a miséria, o crime de terem sido fiéis às suas ideias e de lutar por elas.Foi pois desta terra regada pelo sangue e as lágrimas dos mártires, foi deste céu onde ainda hoje drapeja a bandeira da liberdade, que partiu o movimento de resgate que moldou uma face nova a Portugal e para todo um século.”.

QuandoaPrimeira República (1910-1926) instituiu, pela primeira vez, o feriado municipal, “não causa espanto que Aveiro, por decisão da sua Comissão Municipal Administrativa, reunida no dia 27 de abril de 1911, sobre a presidência do cidadão Dr. Carlos Alberto da Cunha Coelho, tenha decidido o seguinte: «Considerar feriado, nos termos do Art.º 2 do Decreto de 12 de Outubro último, o dia 16 de maio, que marca a data histórica da Revolução de 1828, em que se fez ouvir, partida da cidade de Aveiro, o primeiro grito de liberdade”,como se pode lerno livro de Ana Clara Correia “Cabeças Cortadas – Aveiro e a memória do 16 de maio de 1828”.

A ditadura salazarista influenciaria a alteração da data para o dia 12 demaio, o da padroeira, decisão entendidacomo forma de desmobilizar ascausas liberais edesincentivar o amor à liberdade das gentes aveirenses.

Em 1975, após a restauração da democracia,a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Aveiro, sob a presidência do Dr. Flávio Ferreira Sardo, aprovao regresso do feriado ao dia 16: “Considerando que a data de dezasseis de maio era antes do fascismo feriado municipal – homenagem que se prestava aos mártires aveirenses vítimas do seu amor pela liberdade; Considerando que a sua transferência para o dia doze do mesmo mês não significou valorização da data religiosa – que, aliás, muito respeitamos, mas sim o ódio que o salazarismo tinha por tudo o que recordasse a Democracia; Proponho que a data do feriado municipal volte a fixar-se em dezasseis de maio”.

Nos idos de 1978, a Câmara Municipal de Aveiro e a Assembleia Municipal restabelecemo 12 de maio como o feriado municipal. Um dos argumentos para a mudançafoi adiantado pelo então Vereador, Dr. VictorMangerão: “(…) Considerando que, entre as duas datas, é o dia doze de maio que vem ao encontro do sentir generalizado do povo do Concelho, que nunca foi ouvido para a mudança feita, e nunca trocará a sua reverência, dedicação e entendimento, preterindo Sta. Joana e preferindo os ‘mártires da liberdade’”.

Na reunião da Assembleia, em que o assunto foi debatido, o saudoso VogalFrancisco Encarnação Dias sugeriua realização de um referendo com o fim de consultar o povo sobre o dia em que o feriado municipal de Aveiro se devia realizar,propostaque a maioria rejeitaria.

Não serátarde, se for agora,para que se cumpra a recomendação do emérito aveirense, Sr. Encarnação Dias, de se fazer o referendo, debatendopreviamente ao voto popularas razões que justificam a escolha de uma ou de outra data, comaelevação eorespeito queas figuras históricas eas opiniões merecem.

Não será tarde,pois o iliberalismo começa a ganhar terreno e com ele o enfraquecimento dos valores constitucionais,o questionamento dosdireitos humanos e doEstado de direito democrático. Por exemplo, o Primeiro-Ministro húngaro,ViktorÓrban,assume-se como iliberal emanifesta, na prática política,desgosto pela democracia representativa e pela divisão de poderes que servem de balanço e contrapeso num Estado Democrático.O mauexemplo do seu governo,aofechar os órgãos de comunicação social que mantêm viva a missão do jornalismo naquele país, ou ao perseguirasminorias, mostram que “iliberal”parecesomente um eufemismo de autocrata.

Não será tarde para defender a democracia, o pluralismo de pensamento, a liberdade religiosa e todas as outras liberdades, lembrando a vida e a morte dos aveirenses que há menos de duzentos anos foram assassinados pelos absolutistas, cujos seguidoresencontrarãorefúgio nos princípios“iliberais”.

Não será tarde para exaltarmos a Liberdade e os que lutaram por ela e defender esse património, que herdamos com orgulho,recolocando o feriado municipal de Aveiro no dia 16 de maio, se essa for a vontade da maioria dos aveirenses sufragada em referendo,privilegiadamente, ou através de outro meio político que lhe confira representatividade e legitimidade.

* Obras consultadas: Cabeças Cortadas – Ana Clara Correia 1.º Centenário do Movimento Liberal de Aveiro de 1828– José Tavares Aveiro, Berço da Liberdade – Marques Gomes

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