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O legado de Ângelo Ferreira, da AAUAv a Timor

Sociedade

Quem estudou ou, no limite, viveu em Aveiro (ou perto) nos últimos anos do século passado, sabe que há um antes e um depois de Ângelo Ferreira na liderança da AAUAv - Associação Académica da Universidade de Aveiro. E sabe, também, que esse período, entre 1997 e 1999, foi provavelmente o mais fértil em acontecimentos, potenciado e valorizado por uma intervenção direta e fundamental na questão da libertação e independência de Timor.

Aos 51 anos, Ângelo Ferreira tem já muitas histórias para contar, desde que nasceu em Serpa Pinto, Angola, até aos dias de hoje, com a recente conclusão da sua tese de Doutoramento com o tema “Escola, identidade e resistência em Timor - O caso do externato de São José durante a ocupação indonésia”, naquele que será o fruto físico mais visível de uma ligação quase umbilical com Timor.

A chegada a Portugal

Nascido em 1969, ainda no tempo colonial, não foi a guerra do Ultramar que fez a família de Ângelo Ferreira sair de Serpa Pinto, em Angola. Foi, sim, a subsequente guerra civil, que tornou a vida insustentável e insegura para todos, que os fez chegar, um dia, ao concelho de Ílhavo, onde, primeiro na Barra, e, depois, na Gafanha da Encarnação, acabou por fazer a escola primária.

A ida para Aguada de Baixo, onde ainda moram os seus pais, foi o passo seguinte para a família de Ângelo Ferreira, que acabou por concluir o ensino secundário entre Oliveira do Bairro e a Escola Secundário Marques Castilho, em Águeda. Apesar de ter conseguido, à segunda tentativa, a média necessária para entrar em Medicina (o seu primeiro desejo), acabou por mudar de direção e ir para Braga estudar Biologia e Geologia.

Quis o acaso que, quando já estava adaptado à cidade dos arcebispos, uma aluna da Universidade de Aveiro, do mesmo curso, mas residente em Braga, fosse, por motivos financeiros, perguntar à sala onde estava se alguém queria fazer permuta com ela. Apesar das dúvidas, a proximidade de casa e a diminuição das despesas fizeram-no aceitar essa possibilidade e a vida mudou.

A entrada na AAUAv

O acaso tornou-se, portanto, num caso sério. Na altura, pré-Bolonha, as licenciaturas eram de cinco anos e, no curso de Biologia Geologia, tinham um estágio integrado. Ao longo dos anos, envolveu-se de forma mais assertiva no associativismo, criando e liderando o Bionúcleo, o núcleo de Artes Plásticas e o de Atletismo.

Esta intervenção associativa, com a organização, por exemplo, da mostra de fauna e flora da ria de Aveiro, fez com que à entrada do último ano do curso começasse a ser desafiado para liderar uma descredibilizada e falida Associação Académica da Universidade de Aveiro, algo que nunca até então tinha estado no seu pensamento, mas que depois de muita reflexão e, sobretudo, da criação de uma equipa de qualidade, acabou por aceitar. Contrariando todos os prognósticos, ganhou as eleições com 81% dos votos.

“Fui um presidente a 100%”, diz sem qualquer tipo de problema, deixando por fazer o tal estágio profissionalizante e sustentando-se através de “aulas que se conseguiam dar sem ainda ter o curso completo” e, também, “a vender algumas coisas que produzia no âmbito das artes plásticas e ilustrações científicas”.

“Ao longo dos três mandatos, não acabei o curso. Não fiz, a exemplo de alguns dos meus colegas, nenhuma disciplina. Hoje todos podemos dizer que valeu a pena, porque nos preparou, muito, para o que seria o nosso futuro. Fizemos, sem qualquer tipo de vaidade, um trabalho de enorme qualidade, mas que exigiu muitíssimo de todos nós. A vida, para além da AAUAv, ficou parada, em suspenso”, explica Ângelo Ferreira, em entrevista à Aveiro Mag.

As conquistas maiores da Academia

As vitórias foram muitas, mas algumas tiveram mais sabor: pela dificuldade; pela novidade; pela disponibilidade em quebrar o paradigma do discurso do coitadinho, em que o estudante apenas tinha direitos e não deveres. “Procurámos criar uma mentalidade nova. A minha linguagem foi sempre outra. Exigir os direitos, sim, mas também exigir o cumprimento dos nossos deveres. O primeiro exemplo foi tornar a contabilidade organizada e centralizada, o que foi uma tarefa tremenda, com a Deloitte a trabalhar nisso mais de seis meses. Com isso feito, fomos a primeira associação académica do país a pagar impostos. Nunca tinha sido feito antes. Apresentámos sempre relatórios de contas fidedignos e aprovados sempre por unanimidade. Essa transparência nas contas trouxe-nos credibilidade e com ela, chegámos mais longe, nos projetos, nos parceiros. Até o Governo foi nosso parceiro”, explica.

A ligação da academia à cidade e ao concelho foi sempre feita numa forma muito mais lata que apenas as festas. Até porque a vida não é apenas festas e esse preconceito tinha de ser quebrado. Podia, naturalmente, ter sido feito das mais variadas formas, mas a AAUAv avançou na altura com a criação de um jornal: “O UniverCidade foi uma pedrada no charco. Quantas associações do país, alguma vez, publicavam um jornal como suporte de um jornal como o alcance que tinha o Diário de Aveiro? Nenhuma. Até aí fomos diferenciadores”, garante.

Timor, uma questão fundamental

Timor sempre foi uma questão fundamental para Ângelo Ferreira. Desde a ligação aos timorenses residentes em Aguada de Baixo, passando pela organização da primeira manifestação em Aveiro, a 10 de dezembro de 1991, menos de um mês após o massacre de Santa Cruz de 12 de novembro, até à luta a dois com o amigo, já falecido, Joaquim Peixinho, na sensibilização da academia sobre a causa timorense.

Já na AAUAv, foi a academia aveirense que trouxe, em organização própria, Ximenes Belo a Aveiro, logo após a entrega ao bispo timorense do Nobel da Paz: “Foi reflexo do trabalho de uma equipa. Um trabalho sério. Foi a AAUAv que trouxe a Aveiro e a Portugal um Nobel da Paz”, assume, orgulhoso. Na sua primeira visita, em 1997, o laureado deu início à campanha “Bolsas para Timor” que permitiu, ainda antes da independência, que alunos timorenses tivessem a possibilidade de ter os estudos pagos. “Conseguiu-se, na altura, 6 mil contos , um valor extraordinário, que seria muito bom ainda nos dias de hoje”, diz Ângelo Ferreira que, conta-nos, em jeito de conclusão, dois momentos que o deixam com a sensação do dever cumprido na causa timorense.

 

Os heróis timorenses

“Tenho uma carta do Jorge Sampaio, à altura Presidente da República, a agradecer o nosso trabalho na relação com Timor. Esse reconhecimento vale mais do que uma medalha e demonstra que fomos muito mais que apenas ativismo. Depois, quando vou a Timor, saber que sou reconhecido e que as pessoas, mesmo aquelas que hoje lideram órgãos de Estado, param para me cumprimentar, falar, pedir conselhos e ajuda, deixa-me orgulhoso. Mas o que fiz na academia e depois nas funções que tive no país, na reconstrução do ensino universitário, na elaboração do plano de estudos do ensino secundário, não é mais que uma gota de água na independência de Timor. O verdadeiro herói, mais do que os rostos conhecidos da vitória, foi o povo. E, sobretudo, com muita dor, sacrifício e angústia, as mulheres timorenses, que viviam, diariamente, com os indonésios e sofriam na pele muitas agressões e humilhações”.

Quanto ao futuro, Ângelo Ferreira, que trabalha na reitoria da Universidade de Aveiro, diz que é um livro aberto. “Sou muito feliz, mas sou eternamente insatisfeito e estou sempre à procura de coisas que me façam questionar, de novos desafios”, conclui.

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