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Inês Margaça: “De certa forma, nós, cantores, somos atores”

Artes

Inês Margaça acaba de concluir a licenciatura em Música, na variante de Canto, na ESMAE – Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo – no Porto. Aos 21 anos, esta cantora lírica da Gafanha da Nazaré dá aulas de canto a gente de todas as idades, prepara-se para ingressar no mestrado em Música, na vertente de Interpretação Artística, e ainda mantém uma agenda de espetáculos ao vivo com bandas e orquestras que a tem levado a palcos um pouco por todo o país.

Em cima de uma cómoda, na casa onde Inês Margaça cresceu, na Gafanha da Nazaré, havia três pequenos bibelôs em forma de anjinho que sempre lhe despertaram a atenção. Um aparecia a cantar, outro a tocar acordeão e um terceiro a tocar violino. Inês conta que terá sido ao observar atentamente este último – o anjo violinista – que, aos 4 anos, confrontou os seus pais com a vontade de aprender música. A família fez-lhe a vontade e Inês iniciou os seus estudos musicais no ensino particular, em casa da professora Delta Ribau. “Comecei com instrumentos como o xilofone e a flauta. Uma das minhas primeiras atuações aconteceu por altura do Natal. Lembro-me de fazer de Maria, havia um José, e estávamos a tocar flauta”. Pouco tempo depois, ainda antes de entrar para a escola primária da Marinha Velha, onde completaria o 1.º ciclo, começa a aprender piano com o compromisso de, assim que houvesse professor disponível, mudar para as aulas de violino, alteração que nunca chegaria a acontecer.

Aos 8 anos, Inês continua os estudos de piano na Casa do Povo da Gafanha da Nazaré, desta vez, com a professora Rute Simões. Dois anos mais tarde, ao passar para o 5.º ano, entra para o Conservatório de Música Calouste Gulbenkian, em Aveiro, na classe de piano da Professora Eva Ribau, optando por ingressar igualmente na Escola Básica 2,3 João Afonso, também em Aveiro, uma forma de aproveitar a possibilidade de estudar em regime articulado.

Ainda que, nessa altura, só se dedicasse ao piano, Inês diz que “não havia dia em que não cantasse”. “Era completamente viciada nos clássicos dos ABBA, nas canções da Shakira e nos temas da Floribella”, recorda, em entrevista à Aveiro Mag. De verão, em casa dos avós maternos, na Vista Alegre, era comum passar o serão a ouvir música e a dançar com os primos. “O meu avô costumava dizer: ‘És mesmo uma peixeira’ e, hoje, aqui estou eu, peixeira como dantes, a cantar pelo mundo”.

É por altura do 2.º ciclo que, recorda Inês, “o piano deixou de ter o encanto que tinha no início”. “Eu já não investia tanto tempo a praticar e, aos poucos, aquilo deixava de me fazer feliz. Eu era tão preguiçosa que a minha professora até fazia uma lista de horas de estudo”, lembra, confessando algum embaraço. Inês acabaria por abandonar o regime articulado e voltar à Gafanha da Nazaré para completar o ensino básico, desta vez, no regime supletivo.

Recorde-se que, no regime articulado, o Conservatório e a escola articulam-se entre si de forma a aliviar a carga horária do aluno e não duplicar disciplinas. Há um programa de estudos adaptado a cada estudante em que as disciplinas do Conservatório são integradas na matriz curricular da escola. No regime supletivo, por sua vez, os alunos frequentam a escola e, paralelamente, todas as aulas do currículo musical no Conservatório.

Esta foi uma fase particularmente difícil para Inês, um momento repleto de dúvidas e hesitações, em que não sabia se deveria ver a música como um hobby ou enveredar por uma aposta mais séria. A solução, contudo, até foi relativamente simples. Por sugestão de alguns professores, a jovem foi experimentar algumas aulas de canto da professora Ana Fleming. “E adorei. Não tinha nada que ver com as aulas de piano. Sentia-me tão bem. Tinha encontrado no canto uma forma de expressão artística que tinha mais que ver comigo”. Desta vez, Inês nem precisou da orientação do anjinho cantor que, com os seus companheiros de banda, já deixara o topo sobranceiro da cómoda para passar a habitar uma gaveta – a única forma de manter as peças seguras das traquinices do gato da família – para tomar a sua decisão. Muda de instrumento para técnica vocal e, em 2018, conclui o 8.º grau em Canto, no Conservatório de Música de Aveiro, com 19 valores. Nesse mesmo ano, entra para o curso de Música, na variante de Canto, na ESMAE, onde contaria com a orientação do professor Rui Taveira.

Hoje em dia, de cada vez que canta, seja num ensaio, com uma banda ou uma orquestra, Inês cimenta a certeza de que é isso que quer fazer para o resto da vida. Apesar de, na sua opinião, cantar ter muito de “dom natural” e “instinto”, é bem mais complexo do que se possa pensar: “Quando estamos a cantar temos de pensar na técnica, na respiração, mas também em tudo o que envolve a interpretação de uma personagem. De certa forma, nós, cantores, somos atores”. Inês recorda que, “nos primeiros concertos, estava tão focada na técnica que deixava um pouco de lado a expressividade. Só mais tarde é que comecei a dar mais importância ao lado expressivo”. E, desde então, tudo tem tido “outro sabor. Cantar, agora, é outra coisa. Sou mesmo capaz de encarnar na personagem, pensar como ela pensa, sentir o que ela sente, e condensar tudo isso naquele verso, naquela estrofe ou canção”, conta a jovem. “E acho que, assim, até corre melhor”, acrescenta.

O discurso de Inês não consegue esconder o encanto e a intensidade com que a jovem vive as palavras que canta e as histórias e as personagens que interpreta, mas é a própria a admitir que, “ao cantar, não penso muito nas coisas”. “Simplesmente, canto. Acho que me é natural, quase instintivo”, afirma, reconhecendo, porém, que “isso também acontece porque eu já tenho uma técnica bastante sólida”.

Uma vez em palco, há sempre medos: “esquecer-me da letra, ter uma branca inesperada, uma falha na respiração. Desafinar, nem tanto, porque não costuma acontecer”. Apesar de se confessar “perfecionista”, Inês tem aprendido que “dar o melhor” de si deve ser sempre a meta a atingir. “Se der o meu melhor, a minha missão estará cumprida. Por vezes, acabo por ficar desiludida por não sair tudo perfeito, mas a perfeição não existe. Tenho de por isso na minha cabeça”.

A 25 de setembro, na igreja da Costa Nova, Inês Margaça apresentou-se a solo com a orquestra da Sociedade Musical de Santa Cecília de São Bernardo, num concerto integrado no programa das festas em honra de Nossa Senhora da Saúde. Desde 2014 que Inês atua com a orquestra de Santa Cecília. Na sua primeira apresentação em conjunto, Inês “jogava em casa” – foi na igreja matriz da Gafanha da Nazaré – mas nem por isso os nervos a abandonaram. Pelo contrário. “Lembro-me de a igreja estar cheíssima e de eu estar super nervosa. Estava a realizar um sonho, mas o nervosismo entalava-me a garganta, acho que a voz até me falhou”, recorda. Desde aí, Inês e a orquestra de Santa Cecília já passaram por diversos teatros, igrejas e salas de espetáculo em todo o país, já foram à Suíça e estavam para atuar nos Estados Unidos, não fosse a pandemia ter-lhes estragado os planos. Quanto ao recente concerto na Costa Nova, foi um momento marcante para a jovem soprano, não só porque era a primeira vez que atuava desde que terminara a licenciatura, mas também devido à presença de uma pessoa muito especial na plateia. “A minha bisavó, que já não me ouvia cantar há muito tempo, estava lá. Eu não podia olhar para ela enquanto estava a cantar se não desfazia-me em lágrimas. Foi uma emoção muito grande. Ainda por cima, era um repertório religioso que, a ela, ainda lhe toca mais”, lembra Inês.

E o que ouve, afinal, uma cantora lírica? “Jazz, soft rock... Música lírica, só quando me apetece. Não consigo ouvir só lírico”, admite. Fascinada pelo poderio vocal e expressivo de Freddy Mercury, os britânicos Queen são, provavelmente, a banda da sua vida, mas também se confessa adepta de George Michael e “todas aquelas músicas lamechas dos anos de 1980” que, nos últimos tempos, tem vindo a revisitar com a coleção de vinis da sua mãe. “Comprei um gira-discos e ando a maravilhar-me com aquilo. A música dos anos de 1980 é icónica”. “E, por vezes, ponho a tocar o CD da Floribella só para irritar o meu irmão. Desconfio que ele sabe de cor o ‘Vestido Azul’ (um dos temas mais conhecidos da banda sonora daquela telenovela juvenil)”, brinca, ainda, Inês.

Quem acompanha Inês nas redes sociais, provavelmente, também já a viu a interpretar um ou outro tema dos clássicos de animação da Disney. Quando se lhe pergunta se gostava de fazer dobragens e dar vida a uma personagem animada, a resposta não podia ser mais pronta: “Sim!”, afirma convictamente. “Essa é uma das minhas ambições. vi os filmes centenas de vezes e, mesmo agora, ainda gosto de os rever. Têm canções lindíssimas, dá-me uma nostalgia enorme”, reitera a jovem cantora.

Inês já viu o seu talento e as suas performances premiados por várias vezes. Além de algumas subidas ao pódio do Concurso Nacional de Canto dos Conservatórios Oficiais de Música, em abril de 2017, venceu o Grand Prize Virtuoso, em Londres (Reino Unido). Na sequência deste galardão internacional, foi convidada a cantar no concerto de laureados no Royal Albert Hall, uma das mais emblemáticas salas de espetáculo da capital inglesa.

Apesar de reconhecer a importância destas distinções, Inês prefere valorizar os cursos intensivos, workshopse masterclasses nos quais tem vindo a participar ao longo dos anos. “Gosto de ir aos concursos para ouvir outros cantores e conhecer novos repertórios, mas a verdade é que se aprender muito mais nas masterclasses. São experiências que me enriquecem enquanto cantora e me ajudam a ficar mais desperta para alguns pormenores ”, atesta Inês. Numa revista rápida pelo seu currículo artístico, a jovem destaca o workshop de canto orientado pelo barítono ilhavense Ricardo Panela, em dezembro de 2017, bem como a masterclass “ArtAllurement”, que aliou as disciplinas do canto, do piano e do teatro e contou com a orientação da soprano Bárbara Barradas, da mezzo-soprano Cátia Moreso, do pianista Vasco Dantas e da atriz, coreógrafa e encenadora Sónia Aragão, em outubro do ano passado, como as formações que mais a marcaram. “O Ricardo deu-me bases incríveis. Ao sair das aulas dele, estava com o dobro da projeção. Foi ele que me ajudou a preparar as peças para entrar na ESMAE”, recorda Inês.

À semelhança de Ricardo Panela, que vive em Inglaterra há mais de uma década, também Inês se vê a construir carreira fora do país. “Em Portugal não se abrem muitas portas para a música clássica. É pouco valorizada e muito pouco apoiada”, lamenta a soprano. Inês reconhece que “a música clássica está fora de moda” e quando esta toma a forma de ópera, então, o cenário “ainda é pior”. “Há montes de músicas que aparecem em filmes ou em anúncios publicitários, que fazem parte do nosso imaginário sem nós sabermos muito bem porquê, e que são de óperas, mas parece que nascemos todos a odiar ópera”. Se, por um lado, os agentes e programadores culturais tendem a assumir que as pessoas são naturalmente avessas a este género, por outro, aquelas que o não forem e quiserem usufruir da experiência de assistir a uma ópera em Portugal, dificilmente conseguirão encontrar espetáculos fora de Lisboa. É um “círculo vicioso” aparentemente indestrutível.

Este panorama faz com que, para Inês Margaça, quem queira encarar o canto lírico como profissão tenha de “estar pronto para lutar constantemente”. O maior desafio é “ser-se persistente e não desistir, apesar de algumas vezes irmos abaixo”. É uma profissão que pede para se estar sempre de coração aberto, numa postura de permanente dádiva e disponibilidade que, todavia, não consegue evitar sentimentos menos positivos. O cansaço e o stress podem facilmente contribuir para quadros de maior fragilidade emocional e a angústia de não ver o seu trabalho reconhecido e valorizado pode levar a um certo desânimo, criando incertezas quanto ao presente e ansiedade quanto ao que o futuro reserva. “A palavra aqui é ‘acreditar’. Conhecer-me, acreditar em mim, acreditar no meu trabalho e pôr-me sempre em primeiro lugar”, explica a jovem. “Eu era muito de ligar ao que os outros diziam sobre mim e só fazia alguma coisa quando tinha a aprovação de alguém. Nos últimos tempos, tenho conseguido aprender a acreditar mais em mim”, partilha.

Como se tudo isto não bastasse, Inês tem ainda de ter cuidados especiais com o seu principal instrumento de trabalho: a voz. Beber água, fazer exercícios de aquecimento e respeitar os períodos de repouso, são algumas das dicas básicas para manter o aparelho vocal saudável. Afinal, “a voz é algo delicado e tem de ser bem cuidada. Nós fazemos tudo com a voz: falamos, gritamos, rimos, choramos...”. A poucas horas de um importante ensaio, Inês conversava com a Aveiro Mag exposta à brisa fresca do final de tarde e aos últimos raios de um sol de outono que, ao fundo, estava quase a pôr-se. Perante a nossa preocupação, tranquiliza-nos: “Não é nada que um chá de gengibre não resolva”.

Cuidar convenientemente da voz é, provavelmente, um dos mais recorrentes conselhos que Inês dá aos seus alunos. Desde 2020, a jovem dá aulas de canto na Sociedade Musical de Santa Cecília e, mais recentemente, através da plataforma online SuperProf. A experiência de passar de aprendiz a mestre tem sido “estranhíssima, mas muito boa”, garante a soprano, que se diz grata por poder testemunhar e contribuir para o desenvolvimento dos seus alunos a quem elogia a simpatia e o talento.

No próximo mês de janeiro, Inês partirá para a cidade onde, há mais de quatrocentos anos, a ópera nasceu. Em Florença (Itália), a jovem soprano vai integrar a Academia Europeia de Ópera (European Opera Academy). Até lá, já tem alguns concertos agendados: a 23 de outubro, atua com a orquestra da Sociedade Musical de Santa Cecília, no Rossio, em Aveiro, uma apresentação no âmbito da Aveir’Orquestras, e a 20 de novembro subirá ao palco da Fábrica das Ideias da Gafanha da Nazaré, no âmbito de um espetáculo de dança de uma academia local.

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