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O Cancro e a Imortalidade. A história de Catarina Barreto

Saúde

“Quando somos jovens acreditamos que temos uma capa que nos torna imortais. Que vamos viver para sempre. Só que não é assim. E o primeiro sinal disso é quando morre alguém perto de nós, seja um amigo ou um familiar. Mas, ainda assim, só somos verdadeiramente confrontados com a nossa fragilidade quando nos bate à porta. A nós. A mim. E nesse dia, tudo muda. O soco é demasiado grande”. As palavras são de Catarina Barreto, presidente da junta de Freguesia de Aradas, advogada, e que há três anos teve o diagnóstico mais duro e inesperado. Cancro. A Aveiro Mag conversou com ela a propósito do Dia Mundial do Cancro, que se celebra a 4 de fevereiro.

“O dia não se esquece. Foi a 23 de janeiro de 2020. Às 19h00. O meu médico falou durante uma hora e eu nem ouvi o que ele disse. No fim, só lhe perguntei: é benigno? A resposta foi: ‘não estiveste com atenção’. E voltou a explicar. Tudo caiu por terra. A minha capa de imortalidade principalmente”.

A ida ao congresso

Para o dia seguinte ao diagnóstico estava previsto o Congresso Nacional das Freguesias, em Portimão. A primeira decisão, normal e extemporânea, foi não ir. Mas a conversa que Catarina Barreto teve com aquele que seria o seu cirurgião, mudou a perspetiva. “Ele disse-me - sem qualquer hipótese de ser contrariado – que eu tinha de ir. Que tinha de manter a cabeça ocupada. E eu fui. E trabalhei que nem uma desalmada. Fiz três intervenções no congresso! Percebi o que ele me quis dizer. No regresso, parei em Fátima e a partir daí foi encarar. Ficar em casa a chorar não resolve. O choque é tão grande, a bofetada é tão grande, que o cérebro não aceita. Por isso, temos de o ocupar e ir ao congresso foi das melhores coisas que fiz na vida”.

Catarina Barreto no congresso, em Portimão

Ao longo do tratamento, muitos são os momentos difíceis. Na luta contra a doença. Na luta contra a indiferença. E na reação às perdas. Sobretudo das pessoas que nos rodeiam. Catarina assume, sem pudores, que a doença, no bom e no mau, tem uma característica única. O separar o trigo do joio. “Vemos quem são os amigos, porque quem está connosco por interesse vai embora, porque isto de estar doente é muito chato e ser amigo de alguém doente é muito chato”.

Saber com quem se conta é imperioso. O apoio da família e dos amigos verdadeiros é verdadeiramente fundamental, porque em alguns momentos é o que sustenta o esforço, o que limpa a lágrima, o que sorri quando parece não haver espaço para a esperança. Mas Catarina recorda, sem segredos, o mês que mais lhe custou.

“A seguir ao diagnóstico andamos um mês a saber que temos um tumor, que é muito invasivo, mas ainda não sabemos o que é, como o vamos tratar. Havia a possibilidade de estar nos ossos, nos pulmões. Não saber a dimensão do problema é angustiante, é o verdadeiro pânico. Esse mês de fevereiro foi difícil e, sem esquecer, que tudo aconteceu quando estamos no início da Covid-19. Em março o país fechou”.

A peruca e o drama do cabelo

Hoje Catarina Barreto tem cabelo. Que cresceu forte. E agora, nesta introspeção em forma de entrevista, todo o “drama da perda do cabelo” está bem presente, mesmo que num patamar de reações que, atualmente, “não fazem qualquer sentido”. Só que, na altura, “foi desesperante” e tudo o que se passou depois, “alcançou todos os limites, com a compra de uma peruca que mais do que qualquer coisa, era um escudo protetor”.

Desde a história da familiar, cabeleireira, que aprendeu a tratar da peruca e que a acompanhava sempre em todos os momentos para que quando a fosse preciso tirar e, depois, colocá-la de novo, ela, Catarina, não ter de se ver, careca, ao espelho, até aos dias em que a peruca, já gasta e ligeiramente fora do sítio, a deixava insegura perante outras pessoas, muitas são as histórias que recorda e que, partilha, eram escusadas.

“Coloquei a 18 de março a peruca. Perder o cabelo na altura fez-me muita confusão, parece o maior problema de todos, porque é o que nos expõe, o que a sociedade vê. É um drama. Mas é uma coisa tão pequena, tão ínfima, tão sem importância que agora, três anos depois, penso porque é que estava tão preocupada. Mas faz parte do processo”.

A mãe e a descida ao inferno

“A minha mãe morreu de cancro no pâncreas. Andei sete meses a sair do trabalho, a ir a casa buscar o meu pai, a ir para o IPO em Coimbra e a estar com a minha mãe, diariamente, desde o final da tarde até às dez da noite. Esta experiência, dura e dolorosa, deu-me a perceção e uma lição de vida incrível. E percebes que quem se dá à doença, não sobrevive ao cancro. Não sei explicar. Tens de te agarrar à vida. E foi isso que fiz. A minha médica disse-me tens de fazer cinco quilómetros por dia a andar senão vais ficar numa cadeira de rodas. E eu fazia-os, em casa, numa passadeira, religiosamente”.

Essa capacidade, imensa, de luta, o saber que em todos os tratamentos efetuados, em Lisboa, na Fundação Champalimaud, tinha a presença, também ela imensa, da irmã, fez com que aguentasse, estoicamente, e sempre a trabalhar, oito ciclos de quimioterapia. Agressivos. Um tumor de sete por cinco não é brincadeira nenhuma e só se combate com resiliência. “Foram quatro meses de porrada intensa de quimioterapia, a que se seguiu uma cirurgia. Por minha escolha fizeram a reconstrução imediata (o cancro foi na mama direita). Depois disso muita fisioterapia e 15 ciclos de radioterapia. Tudo se concluiu na terceira semana de agosto. Foram sete meses de descida ao inferno”.

Catarina no último dia de quimioterapia

“Uma pessoa nunca fica curada de um cancro, ainda estou em risco de recidiva” explica Catarina Barreto. O olhar, sempre confiante, por momentos voa para um sítio longínquo. Mas as palavras saem assertivas. Sem mágoa nem mácula: “O aniversário do cancro é o da descoberta. Todos os anos, nesta altura, faz-se um check up mais apertado. Ainda estou no grupo de risco, que é de cinco anos e vamos fazendo a vida normal até que chega esta altura em que se vai recordar tudo, fazendo uma série de testes que nos lembram a nossa mortalidade. Mas sempre que vais lá e está tudo bem, é uma conquista. Uma conquista diária”.

Os ensinamentos da vida. Ser ou não ser feliz

Viver neste limbo pode, ou não, ser um entrave a ser feliz? Catarina diz que não. Que ninguém sabe o dia da amanhã. Tenha tido ou não cancro. É preciso, sempre, colocar as coisas em perspetiva. Em grande parte dos dias, nem é assunto. Em alguns, como os que se avizinham, passam a ser uma sombra. O segredo é relativizar. E viver.

“Um diagnóstico de cancro não é um fim da linha. Não é a morte certa. Temos é de lutar. Agarrei-me muito a essa capacidade e à fé, porque ela também nos vale. Passamos a viver a vida de outra maneira. As coisas que antes me tiravam o sono, deixaram de tirar. Durmo como nunca dormi na vida. Coisas que antigamente eram um problema, agora há solução para tudo. Vê-se tudo com outra leveza. A vida deu-me uma segunda oportunidade e, por isso, sou muito mais feliz agora, até porque digo muito mais vezes o que penso e faço muito mais vezes o que quero”.

“Contamos com a imortalidade e esquecemo-nos de contar com a morte”

In “Imortalidade” de Milan Kundera.

Foto atual de Catarina Barreto
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