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Este músico vaguense tem na natureza a sua maior inspiração

Artes

Natural de Santo António de Vagos, Diogo Sarabando sempre viveu sob a influência dos braços da ria, do mar que ruge no horizonte, da floresta inclinada sobre as dunas e de toda a biodiversidade associada a estas paisagens. Cresceu e tornou-se um músico de vocação autodidata, um experimentador nato que se inspira nas dinâmicas da natureza e nos diferentes ambientes que embalam a sua criação musical.

Acaba de completar 27 anos de idade. “Agora é que se vai ver”, brinca, a propósito do chamado “mito dos 27”, que destaca uma estranha tendência para grandes estrelas da música se finarem com aquela idade – Jimmy Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Kurt Kobain ou Amy Whinehouse são, provavelmente, os casos mais célebres desta suposta maldição. Conspirações à parte, Diogo está bem vivo e ativo no panorama musical português: o jovem vaguense já deu a conhecer os três primeiros singles de “Blooming”, o LP de estreia do seu mais recente projeto artístico – himalion.

Apesar de nunca o ter feito profissionalmente, a família materna de Diogo está ligada à música há, pelo menos, três gerações. O avô era baixista, a mãe tocava bateria e o tio ajeitava-se no trompete; a irmã chegou a aprender órgão, mas Diogo passou a infância sem que a curiosidade de experimentar um instrumento alguma vez se impusesse.

Nos primeiros anos do 2.º ciclo, a música deixa de ser “uma coisa lá de casa” e passa a fazer parte da sua atividade curricular. No entanto, não seria ainda esta experiência a aguçar-lhe a vontade por aprender mais. Afinal, por muito melodiosa que a flauta de bisel possa soar a quem dela sabe tirar melhor partido, há que reconhecer que não é o instrumento musical mais arrebatador e estimulante para um adolescente. Já para não falar daquele que, numa fase mais avançada das aulas, a viria substituir. “Quando, finalmente, a professora de música começou a variar os instrumentos que punha ao dispor da turma, a mim calhava-me sempre o bloco de madeira”, lamenta o jovem, em conversa com a Aveiro Mag. “O resto da turma com guitarras e bandolins” e Diogo fadado àquela caixinha oca, de madeira barata, com uma ranhura de lado e uma só baqueta.

É no verão dos seus 13 anos que o caso muda de figura. Certo dia, Diogo dá de caras com o primo a reproduzir o riff introdutório de “Smoke on the Water” dos Deep Purple numa daquelas guitarras de plástico compradas como brinquedo e não cabe em si de admiração. O momento parece mesmo ter tido laivos de revelação para o jovem. “Como é que alguém que nunca tinha estudado música conseguia tocar um instrumento?”, ter-se-á questionado.

Ao ver, no catálogo de uma conhecida retalhista de brinquedos, uma guitarra elétrica e um amplificador à venda por um preço bastante interessante, Diogo não hesitou. Aquela clássica Fender Stratocaster, a sua primeira guitarra, marcaria o arranque de um percurso na música que dura até aos dias de hoje.

Àquela data, e apesar das angustiantes aulas de música na escola, Diogo considerava não ter qualquer educação musical formal, nunca tinha tocado nenhum instrumento e não sabia ler música. Mas não era isso que o ia demover. A surpreendente prestação do primo naquela guitarra de brincar nunca mais lhe saira da memória. Convencera-o que músico é aquele que faz música, seja lá de que maneira for.

De guitarra em punho, Diogo começa por “fazer uns dedilhados e sacar algumas coisas de ouvido”. Pouco tempo depois, aventura-se pela exploração de tablaturas. As tablaturas – ou tabs – são um método de transcrever música para guitarra e outros instrumentos de corda que, ao contrário das partituras, indicam somente qual a corda que deve ser tocada a cada momento, em que zona da “tábua”, isto é, do braço do instrumento é que essa corda deve ser premida e que intensidade ou efeito deve o guitarrista aplicar. Não dão qualquer informação sobre tempo e, por essa razão, exigem que se conheça de antemão a música que se está a tocar. Diogo começa a ganhar o hábito de comprar revistas com tabs de várias músicas e passa a treinar com base nesse material.

Ainda assim, “quando não se sabe ler músicas , acabamos por ser nós a criar a nossa própria música”, partilha. À medida que ia colecionando breves melodias compostas por si, sente falta de uma forma de registar as suas criações. O programa GuitarPro, um software no qual é possível anotar composições musicais e que, entre outras funcionalidades, permite ouvir o resultado final transposto para vários instrumentos diferentes, veio preencher essa lacuna. “Finalmente, podia registar as minhas criações em tablatura ou em pauta. Foi aí que comecei a compor mais a sério”.

Hoje, depois de vários anos ligados à música, com originais editados, infindáveis quilómetros de estrada e experiência em palcos um pouco por toda a Europa, Diogo já consegue ler música. “Ainda demoro algum tempo para ler os compassos”, admite.

A guitarra continua a ser o seu instrumento eleição, ainda que toque “tudo o que vier à mão”. “Digamos que consigo tirar o que quero de vários instrumentos”, esclarece. Prova disso é o facto de, tirando as baterias e algumas colaborações pontuais com músicos com formação específica em determinados instrumentos, por norma, é ele que grava as vozes, guitarras, baixos e teclados nas suas produções.

O músico da sua vida é Bob Dylan. “Pelas letras, pela simplicidade da música, pela mensagem. Definitivamente, não pela voz”, explica Diogo, que reconhece ter passado por várias fases ao longo da vida em que só ouvia um artista ou banda. O músico norte-americano, contudo, não foi mais uma dessas “pancas” ardentes, mas passageiras. “Bob Dylan é aquele que eu nunca me canso de ouvir”. De cada vez que revisita o trabalho do cantautor laureado com o Nobel da Literatura, “é como se o estivesse a ouvir pela primeira vez”, confessa. Noutra perspetiva, reitera, “não sei exatamente explicar porquê, mas quando oiço Bob Dylan sinto-me em casa”. Segundo conta, é este sentimento de assombro e permanente novidade, mas também a sensação de conforto que só o lar proporciona, que o vaguense ambiciona conseguir imprimir à sua música.

James Davidson era o nome da primeira identidade artística de Diogo Sarabando. Tratava-se, literalmente, de um projeto de um homem só. Diogo tocava todos os instrumentos, fazia a mistura, a masterização e tratava de divulgar as canções na internet. “Tudo ingenuamente feito por mim”, sublinha.

Na altura, a ideia era criar “uma espécie de portefólio” da música que estava a criar. James Davidson surgiu logo após a conclusão do curso, em setembro de 2016, e estendeu-se por boa parte do ano seguinte. Entretanto, Diogo começou a focar-se noutros estilos, noutras sonoridades. “Há uns tempos voltei a ouvir e acho que mereciam ser regravados e relançados. Na altura, eu não cantava nada, por exemplo”. A hipótese de, um dia, voltar a pegar naquele projeto, melhorando algumas componentes, continua em cima da mesa, porém, “para já, não”, garante.

Foi pela música que havia dado a conhecer enquanto James Davidson que os The Lemon Lovers chegaram a até si. Diogo acabaria por acompanhar a banda de João Pedro Silva e Victor Butuc na sua terceira toureuropeia, em 2018. A cada concerto, tinha à sua responsabilidade o baixo e ainda fazia umas segundas vozes, mas uma digressão pela Europa vai muito além das horas passadas em palco.

Não há como negar a profundidade da experiência de uma tour continental, bem como a robustez que traz a um jovem músico, mas Diogo não gosta de romantizar aquela jornada. “No fundo, é trabalho. E é muito cansativo. A cada dia, viajávamos 7 a 8 horas para chegar a determinado sítio; descarregávamos o material, fazíamos teste de som, jantávamos, tocávamos, arrumávamos, dormíamos umas horinhas e partíamos para o próximo destino. Agora é multiplicar isto por quarenta dias”, expõe o jovem vaguense. Há uns dias de folga pelo meio, mas não deixa de ser “uma rotina de uma intensidade extraordinária. Ao início estamos um pouco lentos, mas rapidamente aquele alvoroço toma conta de nós e começamos a acelerar”, recorda.

Terá sido entre as últimas datas daquela tour, num quarto de hotel algures em Espanha, que surgiram os primeiros traços daquilo que viria a ser o projeto musical himalion, a mais recente identidade artística de Diogo Sarabando, onde o músico explora o folk, bebendo simultaneamente de inspirações mais clássicas – o eterno Dylan – e de influências mais modernas – Fleet Foxes, Bon Iver ou Sufjan Stevens.

Diogo Sarabando licenciou-se em Biologia, na Universidade de Aveiro. Ao refletir sobre o advento da sua carreira musical, o jovem vaguense reconhece que aqueles anos na academia o “atrasaram um bocado”. Ainda assim, diz-se “contente por ter seguido estudos numa área científica”.

É que, se a natureza continua a servir-lhe de referência, também o cuidado, detalhe e exigência do método científico se refletem, ainda hoje, na sua vida e na postura com que encara o ofício de criador. “Não sou nada relaxado, estou sempre atento a todos os detalhes. Sou obcecado pelo rigor e sinto que isso vem da Ciência”, admite Diogo.

A paixão pela natureza levou-o a querer associar ao seu novo projeto o nome de um animal. A escolha óbvia passava pelo leopardo-das-neves que, além de ser o seu animal favorito, é uma espécie esquiva, solitária e misteriosa, características que Diogo relaciona com o projeto. Apesar disso, a estética da palavra “leopard” – ou mesmo do fonema “leo” – não lhe agradava. “Soava-me muito a nome de banda de hard rock dos anos de 1970”, graceja o músico. O processo de escolha do nome a dar ao novo projeto parecia condenado a seguir outro rumo. Todavia, numa pesquisa pela palavra “neve” em diferentes idiomas, Diogo ter-se-á deparado com uma tradução em sânscrito, uma das línguas mais antigas do mundo, originária das regiões da Índia, do Nepal e do Tibete, que lhe suscitou curiosidade. Naquela língua ancestral, neve diz-se “hima”. Aliás, a palavra Himalaias, a extensa cordilheira que serve de habitat ao leopardo-das-neves, tem origem no mesmo dialeto, significando “morada da neve”.

Ora, a “hima” (neve), Diogo juntou “lion” (leão). Não sendo exatamente o leopardo que o inspirara, a verdade é que o leão-das-neves é “uma entidade sagrada na cultura tibetana” e, além disso, aquela aglutinação bilíngue sugeria-lhe “um trocadilho interessante” com a designação daquelas montanhas. O gosto pela Biologia voltava a fazer das suas, a brincadeira linguística ajudava à festa e, de repente, eis que o projeto estava batizado: himalion.

himalion apresentou-se ao mundo com “Egress”, “uma coleção de oito canções que simbolizam um novo começo”. O músico explora as sonoridades do folk, num trabalho conceptual marcado por ambientes sugestivos e contrastes vincados, em que é retratada uma viagem entre a solidão inquietante da montanha, de onde parte, e a vastidão calma do oceano, o seu destino. “Egress” foi lançado na segunda quinzena de janeiro de 2020 e acabou por ter um único concerto de apresentação, antes de o evoluir da pandemia em território nacional ter imposto o primeiro grande confinamento. Ao longo do ano, Diogo ainda foi dando uns concertos via streaming, participou numa edição especial do festival Rádio Faneca, em Ílhavo, e na mostra “Cultura em Tempos de Incerteza”, em Aveiro. Mas a pandemia obrigá-lo-ia a deixar de parte aquela que seria a normal rotina de apresentação de um novo trabalho e Diogo decidiu focar-se novamente no estúdio. “Percebi que, tão cedo, não ia haver concertos e decidi continuar a compor e a gravar. Primeiro, pensei num EP, mas depois achei que podia mesmo construir um álbum completo”. Foi assim que nasceu “Blooming”, o longa-duração de estreia de himalion.

Está visto que o que mais influencia a música de Diogo é a natureza e os ambientes que servem de cenários físico e emocional à sua criação. É por isso que, concebido numa época severamente marcada pelo isolamento, as incertezas quanto ao futuro e a falta de confiança, a “exploração lírica do novo álbum aparece relacionada com o próprio processo de compor um disco; a tentativa de passar uma mensagem e não conseguir. É um feedback loop em que o processo influencia o produto. Cá está, uma vez mais, a Biologia”, comenta.

Neste novo trabalho, Diogo contou com a colaboração de vários músicos da região. As baterias foram gravadas por Micael Lourenço, na Casa da Música de Ílhavo; Samuel Silva tocou saxofone e flauta transversal; Fábio Rocha e Rúben Almeida tomaram conta do contrabaixo e das trompas; Vanessa Oliveira e Teresa Queirós gravaram coros, tal como Tiago Lopes, que já tinha colaborado no álbum anterior. Teresa Tenrinho tocou violino.

“Eu oiço montes de coisas diferentes e o meu instinto natural é perceber como é que se executa e tentar escrever naquela onda”, explica Diogo que antecipa bom futuro para o projeto himalion, ainda que, ressalva, a sua “personalidade artística se possa desdobrar em tantos heterónimos quantos estilos ou sonoridades quiser experimentar”.

Por ora, há que ultimar os preparativos para o lançamento do disco. “Blooming” deverá ver a luz do dia em maio próximo, ainda que não haja uma data definida para o lançamento. Antes disso, já no próximo sábado, dia 27 de março, às 21h30, Diogo apresenta o projeto num pequeno concerto a solo que encerrará o Vagos em Cen@ e será transmitido na página do Município de Vagos no Facebook.

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