AveiroMag AveiroMag

Magazine online generalista e de âmbito regional. A Aveiro Mag aposta em conteúdos relacionados com factos e figuras de Aveiro. Feita por, e para, aveirenses, esta é uma revista que está sempre atenta ao pulsar da região!

Aveiro Mag®

Faça parte deste projeto e anuncie aqui!

Pretendemos associar-nos a marcas que se revejam na nossa ambição e pretendam ser melhores, assim como nós. Anuncie connosco.

Como anunciar

Aveiro Mag®

Avenida Dr. Lourenço Peixinho, n.º 49, 1.º Direito, Fracção J.

3800-164 Aveiro

geral@aveiromag.pt
Aveiromag

A Economia Azul na Região de Aveiro

Opinião

Alberto Souto de Miranda

Coordenador do conselho distrital de Aveiro da SEDES

1. Coube-me a tarefa de tentar identificar as incidências que a Economia Azul pode ter na Região de Aveiro. Não é coisa pouca para quem tem como habilitações náuticas oceânicas, apenas a carta de marinheiro e, como experiência de aquacultura, a produção de enguias de forma extensiva e muito lucrativa, à razão de uma caldeirada por ano...Segundo me explicam os marnotos, a baixa produtividade deve-se aos dejectos tóxicos dos belos flamingos...Bem se vê que precisamos de mais ciência aplicada aos ciclos biológicos....Mas permitam-me a ousadia de cidadão atento e de ex-governante com a tutela sobre os portos.

2. O desafio com que estamos confrontados como País e como região é o de transitar da mera economia do mar para a economia azul.

Na região de Aveiro, quase todas as áreas da economia do mar têm estado representadas. Ao longo dos tempos, a nossa geografia ditou a nossa economia marítima: 95% da frota portuguesa de pesca longínqua era daqui, o bacalhau é a marca identitária da comunidade ilhavense. As conservas murtoseiras ainda se produzem. Mantemos traineiras de pesca ao largo e muitas embarcações de pescadores locais artesanais e de subsistência. O declínio da salicultura na Ria de Aveiro abriu esperanças não confirmadas para a reconversão das marinhas de sal em pisciculturas. A construção naval – dos Estaleiros Mónica aos de S. Jacinto – cuja sala de risco ainda conheci – foi durante décadas incipiente. No porto de Aveiro – desde Coutinho de Lima - sempre houve capacidade para projectar terra acima das necessidades, mas definir a água aquém delas; o resultado é um porto com uma área logística fantástica, mas com uma barra atrofiada e condicionada. A poluição industrial da laguna, transformada que estava em imenso esgoto a céu aberto foi combatido desde o GRIA, sob a égide do Sr. Professor Carlo Borrego e depois pela SIMRIA, com o sistema intermunicipal de drenagem e o exutor submarino oceânico. A erosão da costa obriga regularmente a intervenções de defesa, de novo urgentes, de Espinho a Mira, com as incidências das alterações climáticas. Temos turismo náutico e lazer lagunar e nos canais urbanos. Na náutica de recreio continuamos a ser marinheiros de água doce e com resultados salgados: nem fundos mínimos para as marinas conseguimos manter. Até na Defesa e Segurança tivemos igualmente uma história para contar, desde a frota de hidroaviões franceses da 1ª Guerra Mundial até às brigadas aéreo transportadas de S. Jacinto. Entre os sectores tradicionais creio que só nos faltou descobrir petróleo “off shore”...Junte-se o transporte marítimo lagunar, e toda a cultura associada ao mar e à ria e bem se vê como nesta região, passar da Economia do Mar para a Economia Azul encontra mar amplo e canais vários, gente de mar e de muita faina, múltiplos desafios e oportunidades.

3. A Economia Azul é a Economia do Mar mergulhada na sustentabilidade. Isto é, uma actividade marítima que garanta que os ecossistemas oceânicos se mantém resilientes e saudáveis a longo prazo.

Os oceanos foram essenciais na nossa história marítima. Porém, como se alertou na Declaração de Lisboa de 2022, há uma emergência global: o nível do mar está a subir, a erosão costeira a agravar-se, a água mais quente e mais ácida, a poluição marítima a aumentar, um terço dos stocks de peixe está sobre explorado, a biodiversidade a diminuir.

As novas epopeias de navegação, o que nos reportam agora, não são paradisíacas ilhas dos amores, mas, sim, chocantes ilhas de plástico, mostrengos contemporâneos que nenhum vate pós-camoniano conseguem inspirar.

Quanto mais sabemos e investigamos, mais ficamos cientes de que o oceano não pode ser um imenso esgoto industrial e de plásticos, estação de lavagem clandestina de depósitos de navios. Quanto mais investigamos, sabemos que se queremos continuar a ter peixe nos nossos pratos, temos de respeitar os seus ciclos e as quotas de captura. Quanto mais sabemos sobre os nefastos efeitos estufa e o aumento da temperatura, melhor compreendemos como é importante descarbonizar a economia e explorar o oceano de forma sustentável.

Ainda por cima, a nossa responsabilidade, no contexto mundial, é deveras significativa. Portugal tem 2500 km de costa, possui uma das maiores zonas económicas exclusivas do mundo, de 1,7 milhões de km2 e o espaço CAM (Continente, Madeira e Açores) constitui quase 50% das águas marinhas da União Europeia (UE) adjacentes ao continente europeu. Se se vier a concretizar a extensão da plataforma continental para além das 200 milhas náuticas (em curso nas Nações Unidas), a área abrangida pelos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional, aumenta para 4,1 milhões de Km2.

O que fazer com tanto mar? Como incorporar o valor da sustentabilidade na economia tradicional do mar que já representa um valor significativo na nossa economia (cerca de 5% de exportações, 4% de emprego, 5% do PIB)?

4. Desde o Tratado do Rio de Janeiro de 1992 e as subsequentes COP – este ano na edição 28 (Sharm-el-Sheik, a COP 27, foi em Novembro de 2022), o Acordo de Paris de 2015 (neutralidade carbónica até 2050), até à Agenda 2030 e à prossecução dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, em especial o no 14 sobre os oceanos, (a 2o Conferência foi em Lisboa em Julho de 2022), a iniciativa Década dos Oceanos gerida pela COI da UNESCO, o Pacto Ecológico Europeu de 2019/2021, a Política Marítima Integrada da União Europeia e a Estratégia Nacional para o Mar 21-30, não nos faltam enquadramentos macro, universais, europeus e nacionais, inspiradores e dotados de meios financeiros. Como é que os vamos aplicar na nossa realidade regional e criar valor?

Chegamos assim ao PRR, às suas Agendas Mobilizadoras e a vultuosos meios financeiros, não para deitar ao mar, mas para nele aplicar...

Podemos dizer que neste regresso a um mar mais azul, há novas actividades a emergir e novas abordagens para actividades tradicionais. Entre as primeiras relevo para as (a) energias renováveis oceânicas (eólica, ondas); (b) a biotecnologia marinha (biocombustíveis, recursos genéticos, farmacêuticos); (c) a mineração em águas profundas; (d) as centrais de dessalinização com energia oceânica, circular portanto, para combater a escassez de água doce; entre as segundas, (a) a descarbonização aplicada aos navios comerciais e de turismo de cruzeiros (greenshipping), a montante, nos combustíveis não fósseis – Hidrogénio - e a jusante, nos portos e na reciclagem; (b) os portos como plataformas em terra de energia offshore e de conexão elétrica a navios; (c) a robótica da operação de estiva; (d) a aquacultura offshore, (e ) o turismo sustentável; Enfim, (f) a vigilância da ZEE e a Defesa, seja através de frota cientificamente equipada, seja através da colheita de dados via cabos submarinos, seja através de "drones” submarinos e satélites de baixa altitude.

5. Qual pode ser, então, a incidência da economia azul na região de Aveiro e de que forma pode ela contribuir para a sua concretização? Aveiro tem 5 dimensões muito importantes para tal: uma geografia que se nos impõe, uma indústria de pesca ancestral, centros de ciência prestigiados, um porto de mar comercial, pesqueiro e químico de enorme potencial, uma experiência regional de cooperação entre entes públicos, não apenas autárquicos (a CIRA, a AIDA, a Inovaria).

Se quisermos pensar, porém, em termos de análise SWOT, estas forças também convivem com fraquezas e riscos: uma erosão costeira e lagunar a exigir monitorização constante e intervenções urgentes, nem sempre correspondidas com recursos financeiros e decisões atempadas; quotas de captura para respeitar ou lograr aproveitar e custos ambientais para incorporar nas empresas (importamos 75% do peixe que consumimos...); investigação científica com pouco ou nulo valor acrescentado para a sustentabilidade imediata; obras portuárias com condicionantes ambientais incertos; as vicissitudes autárquicas várias.

6. Vejamos, então, mais detalhadamente.

Em primeiro lugar, a actividade portuária. A montante, através do “greenshipping” e da substituição dos sistemas de propulsão tradicionais por novos combustíveis não fósseis. Porém, a indústria de construção naval é incipiente entre nós (apenas a Navalria para embarcações de porte médio). Em terra, a adaptação ao carregamento elétrico dos navios pode ser pensada e toda a descarbonização dos serviços e do edificado pode fazer o seu caminho. O ensejo mais importante e imediato será talvez o do aproveitamento da sua generosa plataforma logística para base de amarração de energias oceânicas, além de acolhimento as indústrias de construção ou outras associadas, como é o caso da ex ASM, agora com os coreanos da CS Wind (um investimento de 100 milhões de euros e centenas de trabalhadores). O porto de Aveiro – quase todo no Município de Ílhavo - é ainda um importante gestor de domínios e por isso a construção naval de nova geração e para a náutica de recreio encontram aqui excelentes condições.

A jusante, garantido o escoamento via ferroviária, com a plataforma para composições de 750 metros. Aveiro tem condições para se transformar num porto de referência das melhores práticas: descarbonizado, totalmente robotizado na carga e descarga, (se se confirmarem as promissoras expectativas do 5G), digitalizado nos procedimentos, plataforma logística e de energia oceânica. Assim a barra possa ser melhorada e os acessos ferroviários a Espanha e para lá dos Pirinéus possam ser optimizados.

Em segundo lugar, o Município de Aveiro tem dado alguns sinais interessantes no que toca ao transporte marítimo e ao turismo náutico: a substituição do velho ferry-boat para S. Jacinto por um navio eléctrico e a obrigação dos moliceiros turísticos se equiparem com motores eléctricos são boas práticas que devemos sublinhar.

Em terceiro lugar, na pesca, no processamento e na aquacultura. A pesca, para além das interdições de pesca biologicamente sazonalizadas por espécies e por quotas internacionais, variáveis consoante o estado dos bancos de pesca, confronta-se agora com o desafio de novas artes de pesca e embarcações com menos pegada de carbono.

Na aquacultura temos em Mira uma das maiores empresas de produção de pregado: Qual vai ser o futuro desta fileira? Mais piscicultura em terra? E os PDM e o Ambiente autorizam ? Mais piscicultura no mar? E temos embarcações preparadas? Não estará aqui mais uma oportunidade para a construção naval de média dimensão? Mais pisciculturas na Ria de Aveiro? Só se for com muito mais ciência aplicada, desde a identificação das marinhas que ficarão submersas e onde não valerá a pena investir, até ao investimento em acessos – que o ambiente por certo chumbará – passando pela monitorização da qualidade da água, e da explicação para tão altas taxas de mortalidade dos peixes e das empresas.

As experiências de salicórnia e algas e microalgas são também caminhos auspiciosos de novos usos. A indústria de biocombustíveis da PRIO, aqui na Gafanha, vê com optimismo a sua aposta percursora, agora nas embarcações.

Em quarto lugar, a Agência Portuguesa do Ambiente e a sua gestão da costa aveirense, reconhecidamente uma das mais sensíveis - de Espinho até Mira, com sucessivos episódios agudos, como foi a norte em Ovar, a sul na Vagueira e agora entre a Barra e a Costa Nova. A resiliência das zonas costeiras integra os objectivos da economia azul, importante como é para a preservação dos ecossistemas marinhos e das populações piscatórias do largo e da laguna. Surpreendentemente, porém, parece que o PRR não contempla verbas para a defesa da costa aveirense, seja ela qual for, desde a engenharia pesada de paredões, à construção de barreiras “off-shore”, ao depósito e transfega de inertes, etc.

Em quinto lugar e o mais importante, porque condiciona todos os outros: os nossos centros de ciência da Universidade de Aveiro e associados; o CESAM e o Ecomare (CEPAM e CPRAM, Citaqua). Não exagero se disser que a Economia Azul depende da ciência aplicada. Depende da Ciência, quer nos diagnósticos do estado a que se chegou, quer nas soluções do futuro que pode acontecer.

Alguém nos falará estou certo, do Projecto BEASIDE (economia circular), do projecto -A AAgora e do Restore4C (sobre o restauro das zonas costeiras) ou no Blue CC ( novos usos para espécies marinhas subvalorizadas) ou no Life (recuperação de Habitats prioritários em risco na Rede Natura 2000) ou de um Laboratório para a produção Intensiva de algas e bivalves, sua rastreabilidade e certificação, no contexto do Hub azul Portugal (consórcio entre o a UA, o Porto de Aveiro e a CM Ilhavo). O CESAM talvez possa colaborar também na identificação dos 30% de áreas marinhas portuguesas a proteger e classificar.

Contudo, como a costa portuguesa tem 1500 Km e nem todos os bons institutos e laboratórios de ciência estão em Aveiro o sucesso da Economia Azul passa pelacooperação e colaboração científica nacional e universal. Em Ciência há patentes, mas, por definição, não há capelinhas e fronteiras. Sobretudo no mar.

7. Mas o que não há mesmo são empresas sem empreendedores. Neste caso com empreendedores qualificados ou bem informados. Julgo que o nosso maior desafio hoje é esse. Temos um mar de oportunidades, mas temos poucos investidores a arriscar em novas caravelas. Precisamos de mais inovação e de mais empresários marítimos. De resto, Aveiro tem um excelente ecossistema para o empreendedorismo em mar: cultura marítima, geografia facilitadora, saberes científicos correlativos, empresas tradicionais e algumas emergentes, capital disponível como nunca, governo e “governance” empenhados.

Vou concluir. Na Economia Azul há ainda muito mar para descobrir em Aveiro. A economia azul, em Aveiro, ainda está verde. Mas como sou optimista, verde é também a cor da esperança. “Navegar é preciso”, já advertia há muito o poeta Caetano. As novas rotas do caminho marítimo para a sustentabilidade é com mais ciência que se descobrem. Estou certo de que os debates que se seguem vão evidenciar isso mesmo.

* Discurso proferido durante o seminário Economia Azul, realizado no dia 12 de abril e no âmbito de uma iniciativa conjunta entre a Ordem dos Economistas, a SEDES e a Universidade de Aveiro (CESAM e GOVCOPP).
Automobilia Publicidade

Deixa um comentário

O teu endereço de e-mail não será publicado. Todos os campos são de preenchimento obrigatório.