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O 25 de abril, a liberdade e a cidade: o que falta cumprir

Opinião

Pedro Ribeiro da Silva

Tenho aquela ideia difusa de, em menino, as cidades serem a preto e branco, talvez porque as televisões também o eram e a avó sempre perguntava, nos raros jogos da bola transmitidos em direto, se os nossos eram os pretos ou os brancos. Era um tempo dicotómico e, apesar disso, paradoxalmente, tudo era de escolha única.

Ainda menino, tenho a ideia das cidades se tornarem, quase de um dia para o outro, coloridas que, juntando os tempos e as ideias, associo o multicromatismo que agora possuem. Também associo ao 25 de Abril, e à liberdade que este instituiu.

Talvez seja tudo apenas uma sensação, mas a verdade é que passei a ver as cidades com cores que até então não tinha notado. Eram agora cores de esperança e mais, muito mais gente nas ruas e nas praças, em manifestações, comícios ou simplesmente circulando pelas ruas.

Os bigodes passaram a ser farfalhudos, as calças à boca de sino e os cabelos mais compridos. As pessoas saiam da cadeia, após terem sido presos e torturados por delitos de opinião. Viam-se mais mulheres na rua. Nos liceus, os alunos perceberam que também podiam fazer parte da construção da escola e nas universidades faziam-se Assembleias Gerais, quando, nas cantinas, aumentavam um cêntimo, o prato do dia.

No início, ainda menino não entendia muito bem o paradoxo, que era um regime libertado e ver, ao mesmo tempo, tantos militares na televisão. Lembro-me que cheguei mesmo a perguntar sobre isso. Depois percebi, que eram militares democráticos e que passariam o poder à sociedade civil assim se organizassem umas eleições livres.

Lembro-me que, naquele tempo, se acreditava plenamente na política como elemento estruturante para o futuro e que Portugal tinha permanecido longe dos processos de desenvolvimento dessa europa tão perto e tão longe. Havia bandeiras. Havia gente e festas. Zangas também as havia, mas deixaram de ser condenadas por opinarem de forma diferente. Exceto algumas batalhas de rua ou sedes de partidos invadidas que me disseram que fazia parte de um processo de crescimento e da nossa, então, imaturidade política.

Foi de um dia para o outro, ou melhor, durante a noite, que as sombras que a lua provocava se tornaram locais para, pela sua calada, mudar um regime que, pelas manifestações populares que se seguiram, o povo já não queria há muito.

Houve sinais para que tudo funcionasse à hora certa. Durante a tarde já se viam imagens de Lisboa, do Largo do Carmo e uma imensidão de gente junto aos soldados da Revolução dos Cravos como cedo se começou a chamar. Uma alteração de regime da forma mais tranquila possível, quase inédita na história da Europa. Havia tanta gente na rua e era esta multidão que pareciam os grandes heróis. E se calhar eram, tal como Camus um dia referiu “mal do país que tenha de ter heróis, para viver”.

Tanto tempo depois, sabemos que a democracia e a liberdade pode ser sempre muito mais do que se conceptualizou e creio que nas cidades e vilas, ainda há muito para fazer.

Recordemos o papel das cidades, das vilas e dos lugares urbanos e o que ainda se terá de realizar para cumprir os desígnios da liberdade e da democracia. Sabemos que “Polis” é, simultaneamente, cidade e política e, por isso, logo entendemos que a mesma palavra tem dois significados que tão bem se cruzam e que estão na origem das urbes, pelos menos desde a antiguidade grega.

Bem o entendemos porque, como lembra Jordi Borja, a cidade que se vive, que se recorda, que se projeta, é também uma cidade real em que tudo é teoricamente possível: máxima informação e mobilidade, múltiplas ofertas culturais e de consumo, infinitas possibilidades de relações sociais, grande diversidade de atividades e de oportunidades de trabalho. Todos estes aspetos da nossa vida atual são potenciados pelas cidades e pelas liberdades urbanas que preenchem o seu desígnio.

No entanto, na prática, o próprio desenvolvimento das cidades tantas vezes nega as liberdades que conceptualmente deveria oferecer: periferias segregadas ou de segunda qualidade, pobreza, medos urbanos reais ou incutidos, impossibilidade da criança ser autónoma no acesso à cidade, ausência de acessibilidades em tantas áreas que impede a deslocação de pessoas com deficiência, descontinuidades de percursos que levam idosos a não penetrarem de forma continuada a sua cidade, dificuldade de circular de forma segura de bicicleta e a destruição do património arquitetónico e urbanístico identitário, faz com que se sinta que a liberdade urbana ainda não foi totalmente conquistada.

A ausência prolongada de uma cultura de planeamento urbano é também parte de uma democracia urbana em déficit. Nesta matéria de ordenamento, a generalidade dos territórios estão a ser unicamente geridos pelos planos diretores municipais que não tem, nem escala, nem conteúdos, próprios para uma gestão urbanística eficaz, ágil e capaz de construir cidade todos os dias. Foi por isso que tantas cidades, nas últimas décadas cresceram mal, feitas de loteamentos fechados, sem ligação à cidade existente e tradicional.

Foi incomensurável o que ganhamos com o 25 de abril e a liberdade que este proporcionou, mas também sabemos que a democracia é um processo em contínuo aprofundamento e que a liberdade é evolutiva no tempo. A liberdade é muito mais do que apenas a de expressão, também é de movimento, mobilidade, planeamento e participação. Também só se cumpre num quadro de coesão social e territorial, de ambiente saudável e de espaços públicos amigáveis.

Por todos estes pontos se compreende que esta liberdade, que habitamos com gosto e honra, ainda tem muito caminho a percorrer para ser verdadeiramente efetiva e que a gestão das cidades tem de ser mais aberta e inclusiva.

Como a liberdade e a cidade são dois desígnios de futuro que se constroem todos os dias, os poderes públicos tem de se mostrar mais abertos no percurso da sua administração. É banalizar o conceito de liberdade que se afirme que quem ganha as eleições deve governar isoladamente os territórios porque estes têm tempo e espaço mutável e passa por rápidas transformações e porque o território, muito mais do que um espaço físico, onde assentam atividades é, sobretudo, uma imensa construção social em permanente dinâmica.

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