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Cidade de Lego – Desconstrução

Opinião

Maria Miguel Galhardo

Quando saio para correr pela cidade, não é só o exercício físico que me move, é sobretudo o exercício mental, de contemplação e de observação da rua, da dinâmica humana e da nossa coexistência no espaço público. Caminhar, correr ou pedalar por aí é a melhor forma de conhecer o lugar onde vivemos, descobrir o que existe mesmo à nossa porta. Qualquer uma destas formas ativas de nos movermos faz bem, ajuda a alinhar ideias e opções, relativizar problemas e a dissipar angústias quotidianas. E, às vezes, ajuda a escrever mentalmente textos como este.

Saio, em corrida lenta, pelo percurso do costume, mas tento explorar o espaço à minha frente de forma diferente, desconstruindo-o. A cidade compartimentada e arrumada, com lugares previamente destinados a diferentes funções levar-me-ia a escolher um parque, longe dos locais de trânsito, de turismo ou de comércio. Mas não vou por aí. Gosto de correr nas ruas da cidade, onde a vida acontece e as pessoas se cruzam. É aí que tenho de conviver com as dezenas de pessoas que caminham e que correm, com famílias inteiras a andar de bicicleta e com automobilistas que têm de olhar, abrandar e parar (alguns contrariados) para deixar passar. Nestes atos tão simples, tão mecânicos e tão humanos, a pessoa impõe-se à máquina e reclama o seu espaço. Grita silenciosamente pelo direito à sua fatia de rua. E é nesta dinâmica que a cidade vive e se constrói. Que cresce e se humaniza. Quando no mesmo espaço, diferentes pessoas se movem de diferentes maneiras e com destinos diversos, convivem e se interrelacionam sem que nada fique em causa, porque todos têm direito a uma parte do espaço que é de todos. Uma cidade como uma grande zona de coexistência, onde o espaço para caminhar, correr, brincar, pedalar, estar, conversar, contemplar e circular de carro não é estanque nem isolado. É nessa zona que as relações emotivas acontecem, onde estranhos se cumprimentam e as crianças fazem novos amigos.

Mas esta é uma realidade excecional que só se experiência no eixo central da cidade. Não é esta a cidade que temos à volta dessa centralidade, onde tudo está segregado e devidamente catalogado em função da mobilidade motorizada e da economia dos serviços, do comércio e do turismo: os bairros habitacionais e periféricos são para viver e dormir; o centro urbano é para alojar os que nos visitam; as escolas fechadas dentro de muros são para estudar; os parques são para correr e arrumar as crianças num espaço controlado e seguro; as grandes superfícies são para consumir; a universidade é para a comunidade académica; os passeios são para as pessoas e as estradas são para os carros. E todas estas ilhas estão rodeadas e envolvidas por vias rodoviárias onde o carro domina e inibe outros modos de deslocação, seja porque não existem alternativas de transporte, seja porque é inseguro caminhar ou pedalar até lá.

Mas, enquanto o coração da cidade está vivo e humanizado, os seus bairros, as suas praças e as suas ruas estão vazias ou apenas preenchidas por carros a circular.

As crianças não brincam nos bairros onde vivem porque as estradas que os rodeiam criam insegurança;

As famílias não convivem com os vizinhos nos bairros onde vivem, porque não há locais de encontro, não há espaços verdes nem playgrounds e não há comércio de proximidade;

As escolas não se abrem à comunidade porque ao fim de semana não há aulas;

Não usamos os parques para estar, conversar ou fazer encontros de amigos porque ali não se consome, porque está calor ou frio;

Não usamos a rua ou a praça para caminhar, para brincar ou para estar ou conversar porque a circulação automóvel que a rodeia é ruidosa, é furiosa, é poluidora e é insegura;

Não fechamos ruas para as pessoas, porque os carros têm de passar.

Não retiramos carros dos centros urbanos porque as pessoas não podem caminhar.

Não caminhamos porque os carros, que nos levam a todo o lado, têm de passar.

E assim vivemos, numa cidade construída com peças básicas de lego, que se erguem direitas e sem desvios, brancas e pretas, escolhidas por adultos a pensar nos adultos, onde nos movemos dentro de máquinas hermeticamente fechadas e ilusoriamente seguras, mas que não nos permitem ver o lado de fora, onde as pessoas se encontram, se cumprimentam e sorriem.

Mas podemos desconstruir e procurar na caixa novas peças e novos tabuleiros, misturar e (re)criar: novos bairros com parques, espaços verdes e campos de jogos; novos percursos para caminhar e correr onde agora circulam carros; novos espaços de brincadeira nas ruas que agora servem de estacionamento; novas praças para ver cinema e teatro ao ar livre; novas vias para pedalar nas estradas; novos locais de consumo local e mais consciente onde vivemos e trabalhamos.

Uma outra cidade onde as funções sociais e económicas se cruzem em espaços diversificados de proximidade e interação, centralizando essas diversas funções em diferentes partes da cidade alargada, reduzindo as deslocações motorizadas e incentivando as deslocações ativas a pé, de bicicleta, de trotinete, de patins ou de skate.

Para isso, é preciso destruir muros e alargar praças, unir pontos e destruir barreiras, agregando o território e fazendo dele um lugar onde as pessoas se possam reaproximar, debater, pensar de forma critica e encontrar soluções comuns de convivência. É ali, na rua, onde vou somando a distância da minha corrida, que se constrói comunidade, cidadania e se defende a democracia.

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