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A Ria melancólica de Raúl Brandão fez-se habitat natural para os amantes de desportos náuticos

Património

O relógio marcaria as oito horas de uma manhã cinzenta e húmida quando, há 100 anos, Raúl Brandão largou do Areão rumo a Norte. Naquele dia, o barco moliceiro escorregava sobre uma “ria lisa como um espelho que reflete o céu baço”, à medida que o autor ia registando em palavras o semblante, o fragor e a alma dos lugares por onde passava. De um lado, “os campos verdes da Gafanha”, do outro, ainda ao longe, “um único fio indistinto, a Vagueira”. Passaria pelo “Cabeço da Capela” – de acordo com João Vieira Rezende, na Monografia da Gafanha (1938), terá existido naquele lugar, até 1876, uma pequena capela em madeira, em honra da Senhora da Conceição, o primeiro templo em todas as Gafanhas; e, mais adiante, pelo “Forte Velho – antiga barra” – estrutura erguida por ordem de D. João IV, em 1643, no local onde, àquela época, se abrira a barra. Em poucos anos, porém, o mar invadiria as terras mais a Sul e o forte deixaria de servir o seu propósito, acabando demolido. Na melhor das hipóteses, há 100 anos, poderia ainda resistir uma pobre ruína enterrada na areia, da qual, hoje, já não sobram quaisquer vestígios. Raúl Brandão passa também pelo Labrego e a viagem prossegue, canal abaixo, sempre com a Vagueira no horizonte. Inspirado pelo que vê e sente, o autor repete-se em descrições melancólicas, um tom embevecido e ensopado, próprio de quem não consegue desligar-se da morrinha e da névoa que aborreciam aquela manhã.

Um século depois, continua a haver manhãs húmidas e nevoeiros mais ou menos cerrados que pintam a Ria e o céu do mesmo tom acinzentado. Quem visitar os mesmos sítios por onde Raúl Brandão passou naquela manhã, talvez até consiga identificar alguns dos pormenores que o escritor descreveu. O mais provável, todavia, é que o visitante foque a sua atenção nas novas valências que, com o tempo, aqueles lugares e aquelas comunidades foram adquirindo.

Em conversa com a Aveiro Mag, às portas da marina da Vagueira, Silvério Regalado, presidente da câmara municipal de Vagos, recorda que, “à época de Raúl Brandão, esta zona ainda era uma área inóspita, pouco habitada e pouco frequentada”. Em 100 anos, “criaram-se muitas infraestruturas e deram-se melhores condições de vida às pessoas que passaram a querer vir para cá viver”. Hoje, este é “um território desenvolvido” e que procura “preservar um património natural que, em vários pontos, ainda não sofreu intervenção humana”, assegura o autarca.Para Regalado, “descendente do Ti Zé Marinheiro”, figura ilustre da Gafanha da Boa-Hora, que viera do interior do país para trabalhar junto às águas de onde tirava sustento, a população vaguense continua a “viver muito ligada ao que a Ria e o mar nos dão, sem esquecer a dimensão turística que, por cá, também se desenvolve em torno destes patrimónios naturais”.

 

 

Hoje, o canal de Mira vibra de cor e agitação. Por todo o lado, há pranchas. Pranchas disto e daquilo, com diversos tamanhos, várias formas e diferentes funções: são comuns as pranchas com mastro e vela (windsurf) e as que, recorrendo a um papagaio, voam sem precisar de mastro (kytesurf); as maiores de todas, movem-se sobre as águas por força das pagaiadas firmes de quem nelas se equilibra (stand-up paddle) e, por vezes, ainda se veem umas pranchas bizarras com pequenas escavações moldadas aos joelhos dos praticantes, que são puxados, através de um cabo, por uma embarcação a motor (kneesurf). E o que dizer das flotilhas de caiaques que atravessam o canal como cardumes coloridos? De pagaias em punho, é tudo uma questão de força, habilidade de equilíbrio – como em qualquer prancha.

E se, na Ria, é esta animação, as praias oceânicas não lhe ficam atrás. Entre a tranquilidade da laguna e a fúria do oceano, abrigada por um vasto cordão dunar, a praia do Areão é sinónimo de recato e sossego – não é, por isso, de admirar que seja escolha habitual para famílias com crianças. De verão ou de inverno, o Areão é natureza no seu estado mais puro. Mais a norte, aparece aquela que é, provavelmente, a menos conhecida das praias vaguenses, a praia do Labrego. Pelas ótimas condições que oferece, e fazendo jus à campanha municipal “Vagos, onde o surf começa”, esta praia tem ajudado a afirmar o concelho como uma espécie de segunda casa para os amantes de surf e destino de eleição para todos os que pretendam iniciar-se na prática da modalidade. É também na zona do Labrego que se localiza o Vaga Splash. Do cimo dos escorregas deste que é o único parque aquático da região, tem-se uma vista ampla e privilegiada. Com mais de três décadas de atividade, o parque continua a ser “uma mais-valia” para aquele território, bem como “um ponto de referência turístico”, no entender de Silvério Regalado. “A função de uma autarquia é criar condições para que as entidades privadas funcionem e os negócios floresçam de forma sustentável, em consonância com o meio envolvente e com as preocupações ambientais necessárias”, considera o presidente da câmara, tomando este equipamento de diversão como um exemplo de sucesso.

“É preciso que as decisões que tomamos no presente tenham um impacto positivo hoje, mas não tenham um impacto negativo daqui a 100 anos. É nossa obrigação preservar o legado que os nossos antepassados nos deixaram e criar legado para deixar aos vindouros. Se virmos bem, na essência, o que Raúl Brandão retirou da sua passagem pelo nosso território foi a beleza do nosso património natural e a bondade das pessoas que o acolheram. Isso é o que nós queremos preservar, obviamente, criando melhores condições de vida para quem cá vive”, observa o presidente da câmara.

Avançando para Norte, à semelhança do que fez Raúl Brandão, chegamos à mais popular das praias do município de Vagos, aquela que os locais garantem ser “a melhor praia do mundo”: a Vagueira. Com uma companha de arte xávega em plena atividade, Vagueira continua a ser sinónimo de tradição no mar, espetáculo no areal e peixe fresco no mercado. Sempre prontas a fazer-se ao mar, encontrar-se-ão pranchas esguias e compridas, ideais para quem gostar de deslizar sobre as ondas de pé (surf); outras, mais curtas e arredondadas, mais apropriadas para quem prefere fazê-lo de bruços (bodyboard); e ainda umas pranchinhas minúsculas onde só cabe uma mão – com estas, é o corpo do surfista que serve de prancha (bodysurf).

“Queremos que os desportos náuticos tragam mais gente a Vagos porque esse é um público que nos interessa”, avança Silvério Regalado. “Por norma, o público que se interessa por desportos náuticos é um público que está preocupado com a sustentabilidade das suas opções. Queremos esse público – um turista colaborante e que venha ajudar-nos a valorizar e preservar o que temos – e não um turismo que venha para destruir”, esclarece.

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Uma ria navegável

Ainda sobre a viagem que o trouxe a este pedaço de Ria, no concelho de Vagos, Raúl Brandão relata: “Às vezes, o barco faz marola, encosta à terra, pega-se ao fundo, e os homens de perna nua empurram-no à vara. Na antiga barra encalha e para o levarmos temos de nos meter todos à água”. Uma breve resenha que “prova que o problema de assoreamento destes canais é antigo”, comenta Silvério Regalado. Hoje, como dantes, “é fundamental termos uma ria navegável”, declara o autarca que, apesar de reconhecer que a mais recente empreitada de desassoreamento “não resolveu todos os problemas”, prefere encarar a intervenção como “um bom pontapé de saída”. O presidente da câmara recorda que “foi a primeira vez que uma dragagem destes canais chegou ao Areão” e que, por isso mesmo, ainda que fosse preciso calcular cuidadosamente o fluxo de marés, o roteiro de Raúl Brandão por território vaguense “poderia ser repetido”.

De uma coisa Silvério Regalado não tem dúvidas: “Não podemos esperar mais trinta anos por outra dragagem. Os atores políticos têm a responsabilidade de começar já a trabalhar na próxima grande operação ou, em alternativa, na garantia de dragagens mais pequenas e mais frequentes – uma embarcação que percorresse a Ria, dragando ininterruptamente os canais”, explica o edil. Para isso, no entanto, “seria imprescindível que a gestão da Ria fosse entregue a quem melhor conhece este território, a quem, mais do que qualquer entidade externa, está mais ligado a ele: as pessoas de cá”, reivindica.

 

 

Em declarações à Aveiro Mag para a peça inaugural desta série de reportagens, o historiador Marco Pereira já supunha que, se por qualquer golpe do destino, Raúl Brandão regressasse à Ria de Aveiro, “a questão do assoreamento” não lhe passaria despercebida. Silvério Regalado concorda e aproveita para acrescentar outro pormenor que, na sua visão, certamente cativaria o olhar preciso e deslumbrado do autor portuense: “a biodiversidade que tem vindo a instalar-se na Ria”. “Ainda há poucos dias tive a oportunidade de fazer stand-up paddle aqui a Norte da ponte da Vagueira e, a poucos metros de mim, estava um bando de flamingos. Não direi que é algo único – é provável que existam outros sítios no mundo onde é possível viver experiências destas – mas é, sem dúvida, um património valiosíssimo”, diz o autarca, convencido que “a presença destas aves é um bom sinal”. “Os flamingos não se enganam. Se param por cá, é porque têm alimento, abrigo e porque as condições da água são boas”.

 

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