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Cláudia Stattmiller: o Teatro e a relação com as pessoas

Palcos

“Eu penso em mim e penso sempre em Teatro”. De facto, o nome Cláudia Stattmiller é indissociável da palavra Teatro e tudo o que esta comporta – e vice-versa.

Cláudia Stattmiller é atriz, formadora e encenadora, encontrando, na “relação com as pessoas”, a “força maior do teatro”. Frequentou o curso de Engenharia do Ambiente, na esperança de encontrar aí a sua forma de “mudar o mundo”, mas foi sempre no teatro que encontrou a sua “vontade”, tornando-se inevitável uma licenciatura em Teatro na Escola Superior Artística do Porto (ESAP). Em Aveiro, cidade onde nasceu e na qual tem feito brotar inúmeros projetos, integrou o CETA (Círculo Experimental de Teatro de Aveiro), o GRETUA (Grupo Experimental de Teatro da Universidade de Aveiro) e a Efémero – Companhia de Teatro de Aveiro e foi pioneira no desenvolvimento de formações na área do Teatro e da Expressão Dramática, sendo hoje Diretora Artística e formadora da Start-Teatro.

Entre as muitas coisas que faz, há algo que lhe traz particular felicidade – daquela que quase se consegue tocar –: as histórias encenadas para as crianças, não fosse Cláudia Stattmiller capaz de “mergulhar na infância” e atender ao deslumbramento e avidez dos mais pequenos.

 

“Chegar aos outros”

Cláudia cresceu a escutar as histórias que os seus pais lhe contavam, aguçando-lhe a imaginação, enquanto teatro era também uma palavra presente, muito porque o seu tio – Jeremias Bandarra – era um dos sócios-fundadores do CETA. Contudo, não tendo qualquer educação religiosa ou ligação à Igreja, foi ao ler na missa, quando tinha cerca de 14 anos, que encontrou o prazer de “chegar aos outros, de estar a passar palavra e de estar num palco, fosse ele Igreja, fosse outro qualquer”. Foi esse prazer, conta, que lhe abriu os olhos de espanto para o imenso universo do teatro, não tardando a integrar, a convite de um amigo, um grupo informal com o qual faria a sua primeira peça.

Aos 16 anos, o pai, que “era a figura proeminente da família a vários níveis”, adoeceu, vindo a falecer dois anos depois. “Foi uma fase muito complicada”, conta, que acabou por levar a que algumas possibilidades ficassem “perdidas no tempo”. As suas notas – naturalmente impactadas – não permitiram que ingressasse em Psicologia, que acreditava ser a sua “vocação”, e, como tal, decidiu candidatar-se a um outro curso que lhe permitisse permanecer em Aveiro. Optou por Engenharia do Ambiente. “Eram os anos 80”, conta. “Estávamos a iniciar uma série de preocupações ambientais que também pertenciam a uma esteira de pessoas mais rebeldes e irreverentes que acreditavam mesmo que iam mudar o mundo”. E, naquela idade, partilha Cláudia Stattmiller, “de alguma maneira, eu acreditava que ia mudar o mundo, fosse pelo Teatro, pela Engenharia do Ambiente ou pela Psicologia”.

Mas o curso revelou-se distante daquilo que imaginara e mais distante ainda da sua vontade. Enquanto aluna universitária, porém, não tardou a juntar-se ao GRETUA (Grupo Experimental de Teatro da Universidade de Aveiro) e ali, naquele grupo com “grande autonomia e liberdade”, foi dando corpo à sua “paixão inicial”. “No fundo, eu sempre continuei a fazer teatro e, portanto, fui percebendo que essa era a minha vontade”. Só nunca tinha acreditado poder fazer disso profissão, explica a atriz e formadora, sendo “o papel social” que o teatro assumia “diferente” naquela altura.

Curiosamente, foi um convite de um professor para que Cláudia ficasse a trabalhar na área da Engenharia do Ambiente que a fez decidir “dar o salto”. Tudo parecia estar a alinhar-se para que o seu percurso se ficasse pela sua não vontade. “É agora ou nunca”, pensou, e, com o apoio de amigos e da família, já casada e com dois filhos, Cláudia Stattmiller foi estudar para a Escola Superior Artística do Porto (ESAP). “Foi uma fase muito bonita da minha vida porque estava completamente apaixonada pelo que estava a estudar e por todo o processo de estar com pessoas com as quais me identificava”, conta, recordando que, nesse período, estava já também a trabalhar na área do teatro, num projeto de espetáculos móveis interativos realizados no Parque Infante D. Pedro para as crianças do concelho de Aveiro.

 

 

“Levar o teatro às pessoas”

Cláudia Stattmiller é atriz, formadora e encenadora. Primeiro, conta, foi atriz. “Eu acho que, de um modo geral, o que nos leva ao teatro é a necessidade de experimentar ser o outro, de nos pormos na pele do outro, de experimentar ter várias vidas, várias profissões, várias emoções, várias personas”. Essa experimentação, explica, é o primeiro desafio. Já o segundo diz respeito a conhecer pessoas. “Acho que o teatro é uma teia, de um modo geral, feliz”, em que as pessoas sentem que pertencem, o que “cria uma sensação de bem-estar”. Nessa segunda camada, encontram-se “as pessoas e o prazer de construir alguma coisa com pessoas” e é aí que, se calhar, mora o porquê de Cláudia Stattmiller gostar de dar formação. “Gostar de chegar a mais gente, a mais faixas etárias, a mais tipologias de pessoas” e, de alguma forma, permitir que conheçam e entendam o que significa fazer teatro – “o que é estar do lado ator, o que é estar do lado da construção de um projeto, o que é estar nos bastidores”. Só assim é possível, também, fazer “públicos mais sensíveis” – mais críticos, mais atentos e mais conscientes do que implica fazer um espetáculo e, em última instância, fazer "mais público”. “Sinto que também contribuí muito para esse lado de fazer público, de sensibilizar a comunidade”, conta. Já o papel de encenadora surgiu quando começou a perceber que “as pessoas tinham histórias para contar” e vontade de as contar em palco. Só mais tarde começou a trabalhar com os grupos textos de autor. “É quase uma necessidade”, explica, dar a conhecer a dramaturgia aos seus alunos – portuguesa e não só.

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Brincar e partilhar narrativas: vontades comuns

Enquanto formadora, Cláudia Stattmiller trabalha com pessoas dos 8 aos 93 anos e diz sentir-se privilegiada por poder fazê-lo. A principal diferença entre os mais pequenos e os mais velhos, conta, assenta, sobretudo, na velocidade. As crianças são habitadas por uma imensa avidez, deslumbramento e rapidez de ação, ao passo que envelhecer “é, numa primeira linha, perder velocidade”. As pessoas seniores, partilha, são menos dadas a regras e, naturalmente, mais conscientes daquilo que querem. É desafiante, “mas é um retorno gigante”, conta.

Há coisas, porém, que atravessam todas as idades, como “a curiosidade, a vontade de estar em palco, de brincar ao faz de conta, de ser o outro, de dançar, de liberdade de expressão, de poder contar histórias”. As pessoas, independentemente da idade, procuram espaços em que possam “falar e partilhar as suas narrativas pessoais”. Há, por isso, para Cláudia Stattmiller, um lugar onde o Teatro toca a Psicologia. “Com todo o respeito pelos profissionais na área”, esclarece. “Isto numa vertente de ouvir as pessoas, de comunicar, de estar com elas, de as motivar, de dar mais autoestima, de as fortalecer como pessoas, de lhes dar a possibilidade de serem criativas, de dar berço à imaginação”. Numa sociedade em que “não há lugar para brincar”, Cláudia nota que “as pessoas, em todas as idades, têm vontade de brincar. Todas. E, se lhes dermos espaço para isso, elas brincam. Acho que o teatro dá isso às pessoas”, partilha. E não só: ao permitir a experimentação permite que se tornem mais sensíveis. Crianças e jovens, que vivem cada vez mais no universo virtual, encontram no teatro uma forma de experimentar as coisas e, em última instância, o mundo. “Quando eu digo experimentar é experienciar. É mexer, é sujar as mãos com tinta, é tocar uns nos outros, olhar nos olhos, pegar em materiais, em pinceis e tintas, em barro, em terra... e sentir. E é esse sentir – táctico, auditivo, olfativo...  – que desenvolve a sensibilidade”. O teatro é também isso para as crianças: um lugar em que lhes é dada a autonomia para criar, para inventar, para brincar.

“O teatro para mim sempre teve este lado: mais psicológico, mais pessoal, mais social”, conta. “O que está à frente do teatro, o que o teatro dá, é essa relação com as pessoas”.

 

 

A constância e o retorno

Para Cláudia Stattmiller, não é um exercício fácil destacar um ou outro projeto no qual se viu envolvida. Como atriz, gostou particularmente de fazer, na Efémero – Companhia de Teatro de Aveiro, a peça “Zoo de Cristal”, de Tennessee Williams. “Foi um papel importante porque era de uma intensidade tão grande”, conta, que, “enquanto atriz, morri de overdose”. O processo “foi tão forte e difícil e intenso” que soube depois que queria fazer outras coisas para lá de representar.

Enquanto encenadora, se há espetáculos que, do ponto de vista estético, considera terem ficado “muito bonitos”, há outros nos quais conseguiu encontrar maior prazer simplesmente por causa dos “grupos com que estava a trabalhar”. “O que marca, muitas vezes, os espetáculos são as pessoas”, reflete. Com dificuldade e muito carinho, destaca, com os jovens, “Talvez Amor” e “Breakfast Club”. Com os mais crescidos, “Os Vagabundos”.

Enquanto pensa em projetos, percorrendo vários baús no suspenso, faz uma paragem na pandemia, que veio desarrumar os seus planos e projetos, como os de tantos outros artistas. “Fiquei muito fragilizada do ponto de vista emocional”, conta, mas houve portas que se abriram e abraços que se deram que tornaram aqueles tempos particularmente “emotivos”. A START-Teatro encontrou uma porta aberta no Avenida Café-Concerto e alunos e pais fizeram-se mais próximos do que nunca, não desistindo. “Estou infinitamente grata pelo retorno que tive nessa altura”, conta a formadora. “Pelas pessoas maravilhosas que tive à minha volta”. E também aí os espetáculos, ainda que com restrições, se revelaram particularmente bonitos, partilha. Por exemplo, a peça “Sonho” (a partir de “Sonho de uma noite de Verão”, de William Shakespeare), apresentada no Avenida Café-Concerto, em que as personagens viraram peças de xadrez – ideia que nasceu da necessidade de desenhar “uma geometria no chão para os alunos não se chegarem muito uns aos outros”.

Profissionalmente, Cláudia Stattmiller sente a tranquilidade de ir fazendo aquilo que gosta. “É preciso ir atrás das coisas. Passa muito pelo querer e pela capacidade de ir ter com as pessoas, de chatear, de acreditar mesmo nas coisas e de andar para a frente”, descreve. É um caminho por vezes solitário. Gostava que fossem mais as sinergias e as colaborações de profissionais com a Start-Teatro, por exemplo, ou de “ter um grupo de pessoas – pares – com quem trocar ideias”, explica. Ainda assim, tem aquilo que necessita. Tem, na Start-Teatro, Rita Camões, que a acompanha há 12 anos, e amigos que a vão apoiando no universo criativo – e fora dele –, valorizando e reconhecendo as pessoas e as coisas que moram para lá dos palcos e das salas de formação, desde a família à culinária.

Hoje, em 2024, fala-nos de um projeto novo que há muito representava nela uma vontade. “Ainda é um espaço embrionário que resulta da parceria com a Pais em Rede”, conta, referindo-se às sessões que tem dinamizado com jovens com deficiência. “Há menos regras, menos condicionalismos, menos narrativas pré-estabelecidas”, reflete. “É um mergulho no abstrato”.

Sempre com vários projetos em mãos e continuando a trabalhar com pessoas de todas as idades, Cláudia Stattmiller partilha ainda duas estreias para este ano. A primeira é a peça “Fracassos da Corte”, que estreou a 15 de março, no Cine-Teatro de Estarreja, no âmbito das celebrações dos 600 anos da Diocese de Aveiro, e que aponta como sendo “um projeto de muita responsabilidade”, dado que, para além de ser uma peça em “em português de época”, é também uma peça sobre a Santa Joana Princesa. Já a 13 de abril, estreará, na Efémero, com os jovens, a apresentação de um texto de Ana Pessoa no âmbito do PANOS, festival de teatro juvenil organizado pelo Teatro Nacional D. Maria II.

 

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