Capítulo 13 – “A deslizar para águas profundas”
Entra em cena um novo sedutor, com nome a condizer: Charles de Beaumont. O alvo: Valerie. “Tinha 36 anos, parecia mais um modelo do que um empresário e namoriscava implacavelmente com todas as mulheres do escritório”, descreve DS. O pavão emprega os seus “melhores esforços” para seduzir a americana. “Ela via-se sempre sozinha com Charles no gabinete dele depois de todos terem ido para casa” e como se não bastasse “costumava convidá-la para jantar”.
Ainda assim, dando mostras de uma ingenuidade desarmante, Valerie “não se iludia a pensar que ele estava interessado nela”.
Prosseguindo o seu plano de ataque, Charles ordena: “Reunimo-nos amanhã no escritório para terminar isto e continuamos com um jantar em minha casa”. Valerie sente então algum desconforto mas Charles tranquiliza-a: “Oh, pelo amor de Deus, não vou violá-la, Valerie. Descontraia-se. Tenho namorada”. Perante este imbatível argumento, “ela sentiu-se uma idiota” - tal como eu por estar a ler esta xaropada.
Em sua casa, Charles põe Valerie a emborcar champanhe e vinho branco e, aproveitando-se da inocência beata da americana, atira: “As sessões de brainstorming evoluem sempre melhor para mim em casa do que no escritório”.
Como o cérebro foi a única parte do corpo que conseguiu exercitar, Beaumont convida-a para o ballet e mune-se de bilhetes para “O lago dos cisnes” e de uma reserva para jantar “no Alain Ducasse”, onde engorda a presa com “trufas brancas vindas de Itália”. “A Valerie merece ser mimada”, diz o galanteador, que às tantas “colocou a mão sobre a dela”. Nem assim, no entanto, a credulidade infantil de Valerie se desfaz totalmente - ela tinha apenas “a sensação de que ele a estava a cortejar”.
O assalto de Charles prossegue com armas de grande calibre, como “o maior buquê de rosas vermelhas” e a fatal frase de engate “a Valerie não me sai do pensamento”. Valerie deixa-se encantar e “entrou em pânico” já que “sentia-se a deslizar para águas profundas e teve medo de se afogar”.
O Instituto de Socorros a Náufragos não foi chamado e Valerie afogou-se mesmo, metaforicamente, porque por fim “ele beijou-a apaixonadamente no automóvel”, que é, diga-se, um Aston Martin e não um Renault Clio ou um Fiat Panda. Já no seu prédio, “percebeu, horrorizada, que não queria que Jean-Philippe voltasse para casa”.
Capítulo 14 – “Ela nem sequer tem a ama aos fins-de-semana”
O capítulo seguinte, porém, começa assim: “Quando Jean-Philippe voltou para casa…” A infeliz Valerie tem de gramar com o marido mas rapidamente “lembrou-se de tudo o que amava nele”. Ele, astuto, “sentia nela algo de diferente” e confessa a Chantal as suspeitas de traição. Ao que a amiga responde de uma forma nada ridícula: “Não sejas ridículo. Quando teria ela tempo? Tu próprio o disseste, ela nem sequer tem a ama aos fins-de-semana”.
DS pôe Jean-Philippe e Valerie a jantar no mesmo restaurante em que, por coincidência, também entra o Beaumont, como se Paris fosse Oliveirinha ou São Jacinto. Valerie fica “hirta ao cruzar o olho” – apenas um, com o outro estaria a olhar para as trufas ou o caviar – com o homem com quem trocou uns cuspes no Aston Martin. Com a mulher hirta que nem uma barra de ferro, Jean-Philippe “sentiu um predador à solta e uma grande ameaça”.
Com Jean-Phiippe de volta à China, Valerie marca um almoço com Charles para pôr tudo em pratos limpos. Como entrada, ele “beijou-a fervorosamente e ela não resistiu”. O prato principal, porém, foi mais indigesto. “Quis ver-te hoje ao almoço para te dizer que não posso fazer isto”.
Capítulo 15 – “Com o motorista ao volante"
Benedetta voa para Nova Deli para que Dharam “lhe revelasse as maravilhas do país”. Dharam, todavia, tem planos mais lúbricos e “beijou-a imediatamente” mal ela pôe um pé fora da aeronave. Na Índia Dharam “era um herói e um homem muito importante”, fazendo-se transportar num “Bentley azul-escuro, com o motorista ao volante”, pormenor útil não fossem os leitores pensar que o motorista seguia no banco de trás ou até na bagageira ou no tejadilho.
Apesar do beijo roubado logo após o desembarque, ainda não é nessa noite que Dharam molha a sopa. “Jantaram no hotel naquela noite, e ele acompanhou-a à suíte, antes de ir para a sua”.
Outro dia, Dharam, romântico incurável, “ordenara que o seu banho estivesse cheio de pétalas de rosa” e providenciou sempre “um quarto ou uma suíte ao lado dela”. “Queria estar por perto para a proteger” – do quê, não se sabe. O mais provável é que “proteger” seja um eufemismo para outro tipo de actividade, que o nosso herói finalmente consuma na página 214. Ufa.
Capítulo 16 – “Não usava roupa interior”
Valerie vai à China em trabalho pela Vogue e fica em choque. “O elevado número de pessoas, o barulho, o caos no aeroporto, o trânsito, a poluição”, tudo características que só se encontram na China, deixam-na aterrada. Assim como “tão pouca gente falar inglês”, ao contrário da enorme quantidade de parisienses ou nova-iorquinos que falam mandarim. A criadagem chinesa é esperta, porém. Jean-Philippe pediu o pequeno-almoço a “um empregado do serviço de quartos que mal falava inglês, mas, apesar disso, acertou na maior parte das coisas”.
A ida à China produz milagres. “Valerie sentiu que estavam a apaixonar-se novamente. A viagem salvara-os”. A conselheira sentimental DS descobriu o elixir para matrimónios em crise. Valerie “perguntou a si mesma se, vivendo em continentes separados, o casamento não ficaria mais excitante e o romance mais fresco”. Não há nada que oito mil quilómetros não resolvam.
Entretanto, DS tem um devaneio automobilístico. Charlotte compra um Range Rover, o noivo compra um Jaguar, Paul compra um Mustang e os pais de Rachel compram-lhe um Mercedes. Ao invés, Eric, o da roupa esburacada e que não é capaz de substituir uma lâmpada fundida, troca a mota por “uma velha carrinha dos correios” que “não passava dos oitenta”.
Algures neste capítulo, Chantal vislumbra Xavier a “conversar com uma ruiva de aparência sexy num vestido branco coleante que mal lhe chegava às virilhas” e que “não usava roupa interior”. Tal como Valerie no capítulo 14, Chantal também fica “hirta”.
Xavier defende-se recorrendo ao têxtil. “Tu podias usar a nossa colcha que ficarias mais sexy do que qualquer outra mulher”, afiança, e nessa noite entra em casa com “um buquê de rosas na mão”. Porém, “tropeçou numa grande mala no corredor”. Chantal lê a sentença: “Acabou”.
Capítulo 17 – “Enquanto os homens se dedicaram aos jogos”
É Natal. Os filhos de Chantal sentem-na “abatida, mais calada do que o habitual e triste”. Paul e a mulher Rachel vão ser pais e terão uma ama para a filha, tipo airbag, “para que o bebé não causasse um grande impacto na vida deles”.
Logo a seguir, DS descreve um cenário familiar edílico em casa de Chantal. “Rachel e Charlotte ajudaram-na a arrumar a cozinha depois do jantar, enquanto os homens se dedicaram aos jogos de vídeo na sala de estar”.
Xavier, prostrado, passa as festividades sozinho. A sua relação com Chantal “não fora uma aventura para ele, fora amor a sério”. Foi, para este coração partido, um Natal sem rabanadas e bilharacos.
Capítulo 18 – “Deixava a ama ir esquiar”
Após o Natal, Chantal fica sozinha. “Era sempre assim, e parecia que alguém lhe arrancara um bocado do coração”. A mim, ao fim de 241 páginas, é como se me tivessem arrancado o cérebro.
Entretanto, o barco de Dharam enfunou finalmente as velas e segue a toda a brida. Ele e Benedetta “deitaram-se na cama do hotel, viram filmes e fizeram amor várias vezes”. Entregam-se depois a um diálogo romântico capaz de fazer chorar as pedras da calçada. “Feliz?”, pergunta ele. “Completamente”, responde ela. “Excelente”, remata ele.
Gregorio e Anya passam o reveillon na estância de Courchevel e ele, de coração jorrando bondade, “deixava a ama ir esquiar”. À bomba russa compra um “casaco de vison vermelho na Dior” e põe-lhe “caviar, champanhe e lagosta” na mesa. “Queria fazer amor com ela, mas Anya já estava ansiosa por se encontrar com os amigos”, a ingrata.
Dramaticamente, ela anuncia: “Vou-me embora”. “O seu coração”, explica DS, “simplesmente não pertencia a ele nem à filha”. A sua partida “foi estranha, breve e fria”, o que não é de estranhar visto estarem numa estância de esqui.
Gregorio conclui que “a única mulher que amara era Benedetta” mas leva uma nova tampa da italiana. “Ele perdera o barco”.
Capítulo 19 – “Chocou com alguém na passadeira”
A Vogue coloca Valerie em Pequim por um ano, pretexto para mais uma violenta diatribe contra a China. “Não é um sítio fantástico para se viver”, informa Jean-Philippe. Valerie, por sua vez, “não conhecera uma única pessoa que lhe dissesse que tinha adorado viver em Pequim”. A solução era, portanto, arranjar um apartamento “numa das zonas mais agradáveis onde viviam os estrangeiros”.
Chantal, por sua vez, “andava deprimida há um mês”. Pela quarta vez, numa cena tão verosímil como eu encontrar um pote de ouro no fim do arco-íris, “chocou com alguém na passadeira” depois de uma sessão de compras. Era Xavier, pois claro, e acabaram “nos braços um do outro”, entre juras de amor. Xavier lança-lhe um convite pueril: “Queres sair e brincar na neve?” Ela, que está doente e a antibióticos, diz que sim.
Capítulo 20 “Parecia um milagre”
Com o porta-aviões russo já navegando noutras águas, Gregorio “saíra com várias modelos durante a Semana da Moda” de Milão, ao passo que a relação entre Dharam e Benedetta “parecia um milagre”.
Xavier “saiu do seu apartamento” e mudou-se para casa de Chantal, já avó. Entretanto, o casamento da filha Charlotte é uma orgia de Rolls-Royce, Bentley, Dior, Balenciaga e Nina Ricci.
Capítulo 21 – “As mulheres têm bebés na China a toda a hora”
Nas suas últimas páginas, DS encarrega-se de proporcionar um final feliz, como nas novelas e nos telefilmes de quinta categoria a la Fox Life. Não querendo despertar as mentes já anestesiadas por tanta foleirice literária, Valerie “sussurrou” um “estou grávida” a Jean-Philippe. “Era um choque” para a família - e para mim, que dispensava mais uma personagem.
Na página 275, DS tem uma epifania sobre o país tão mal retratado até aqui. “Há-de haver bons médicos nas grandes cidades da China”, confia Jean-Philippe, já depois de nos surpreender com uma assombrosa revelação: “as mulheres têm bebés na China a toda a hora”.
O resumo deste 21º capítulo em que quase nada se passa é: “Iam a caminho
da China e o seu quarto filho nasceria lá”.
Capítulo 22 – “Caviar para todos”
O círculo fecha-se, louvado seja o senhor, e “Magia em Paris” termina como começou, em pleno Jantar Branco. Desta vez, porém, os deuses parecem madrastos. “Os céus continuavam a despejar tudo o que tinham”, incluindo doses maciças de parolice literária. “O Jantar Branco parecia estar condenado”, geme DS. Trovões ribombam, relâmpagos rasgam o céu, granizo forma tapetes brancos nas ruas. “Parecia o fim do mundo”, resume num tom apocalíptico.
Porém, “minutos depois um arco-íris atravessou o céu” e prosseguiu viagem até ao meu cérebro, trespassando-o violentamente com mais uma exibição de bimbalhice narrativa. “O Jantar Branco ia acontecer, e a magia tinha começado”.
Junto ao Louvre, homens fazem coisas de homens e mulheres fazem coisas de
mulheres. “Os homens montaram as mesas” enquanto Valerie, Chantal e
Benedetta compõem as mesas. Benedetta, cúmulo da sofisticação, ornamenta o cenário não com castiçais vulgares mas com “candelabros Bucileatti”, que deve ser uma coisa chique a valer, como dizia o Dâmaso Salcede n’“Os Mais” do Eça, ao passo que o pródigo Dharam trouxera não batatas fritas de pacote ou sandes mistas mas “caviar para todos”. No final, num gesto colectivo de boa gestão dos resíduos sólidos urbanos, “cada um pegou num saco de plástico branco e começou a enchê-lo de restos”.
Viro a última página, onde me esperam as derradeiras 14 linhas deste
verdadeiro suplício de 284 páginas. A 30 linhas a página, são mais de oito mil linhas que já andei para aqui chegar.
Numa frase em que o verbo acontecer acontece muitas vezes, DS faz a súmula final: “A magia do Jantar Branco acontecera antes, estava a acontecer naquela noite e voltaria a acontecer”. Chantal “olhou para o céu uma última vez, para se certificar de que a lanterna ainda estava ali algures, levando o seu desejo às estrelas. Porém, já o obtivera”. É esta última frase. Nunca tanto ansiei por uma última frase. Da minha parte, o meu desejo é que esta provação literária chegue ao fim. Obtenho-o agora. Resumindo a experiência, e parafraseando Jean-Philipe na página 242: “Merda!”
* Esta é a segunda parte de uma recensão humorística a um livro de Danielle Steel. A primeira parte foi publicada a 25 de junho.