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Planeta Steel – Parte II

Opinião

Capítulo 7 – “Disse ela com pesar”

 O sétimo capítulo é passado na Córsega. Uma xaropada para nós, leitores, mas um deleite para Chantal. “Adoro isto”, comenta, antes de dar prova de grande amor maternal: “’Vou visitar a minha filha a Hong Kong em Agosto’ – disse ela com pesar”.

À 109ª página, Chantal e Xavier chegam a vias de facto. No final da semana, e depois de já se ter esfregado em Xavier, “Chantal sentia-se parte da família e até dedicou algum tempo a esfregar o barco de Mathieu”.

 

Capítulo 8 – “Sentiu vontade de beber a garrafa”

“Chantal ficou em casa de Xavier todas as noites até à partida dela para Hong Kong”. O coração dela “deu um salto” quando a filha anuncia que está de casamento marcado. O noivo é um modesto professor de liceu, um jornalista de província, empregado numa sapataria? Não, obviamente. “É banqueiro de investimentos”, “estudou em Eton e Oxford”, ofereceu um anel de safira à noiva e chama-se Rupert MacDonald. A cerimónia será uma “coisa muito pequena”. Minúscula mesmo, diria eu. “Nós só queremos umas cem pessoas”, anuncia Charlotte.

Depois de sabermos que Charlotte quer comer MacDonald para o resto da vida, a história dá um salto para os EUA, onde Chantal visita, na companhia de Xavier, o seu terceiro filho. A enxurrada de novidades continua e aqui Chantal fica a saber que vai mudar de estatuto. “Chantal sentiu vontade de beber a garrafa toda ante a perspectiva de ir ser avó dali a sete meses” e pior ficou quando Paul, o filho, lhe atira de chofre: “Não precisamos de casar, mãe”.

Chantal, encalhada algures em meados do século XX, considera “pouco tradicional” mandar vir ao mundo “um filho fora do casamento”. Paul, que revela igualmente níveis elevados de imbecilidade, confronta a mãe com a sua relação com Xavier. “Por que precisas tu de estar com um homem? Porque precisas disso?”, só faltando dizer que, como os piquetes dos bombeiros, ela e sua caixa de ferramentas têm de estar sempre em prontidão total, sem distracções.

“Era um admirável mundo novo para todos”, conclui Danielle. Quanto a mim, ainda com 13 capítulos pela frente, também senti “vontade de beber a garrafa toda”.

 

Capítulo 9 – “Grilos que cantavam”

No Maine, Jean-Philippe, Valerie e os filhos passam férias numa casa de família com o irmão dela, banqueiro, e a mulher, pediatra, que talvez pudessem levar consigo para Pequim para melhorar os rudimentares cuidados de saúde na China. O livro é pródigo em frases de efeito que em vez de ribombarem como fogo de artifício na passagem de ano na Austrália estralejam timidamente como os foguetes da Senhora da Memória, aqui ao lado de casa. As noites “com pirilampos, grilos que cantavam e estrelas cadentes num céu de Verão” são um bom exemplo da parolice narrativa da obra.

Entretanto, Benedetta afadiga-se a “reestruturar a empresa e a afastar Gregorio dela”, numa altura em que “comunicavam apenas através dos advogados”. Dharam, sempre à coca, não larga o telefone e “ligou-lhe várias vezes em Agosto”.

Anya e Gregorio deixam o hospital com a filha de três meses e enfiam-se num hotel - não uma espelunca qualquer mas o George V. A russa, porém, sentia a maternidade como uma prisão, da qual se evadirá uns capítulos adiante. “Queria começar a passar modelos em breve e a divertir-se um pouco” e “amava a filha mas não estava pronta para desistir de viver e tornar-se uma eremita”.

O italiano, por sua vez, converteu-se num “pária social” e dá mais uma vez mostras de destrambelhamento emocional – na página 142 conclui sobre Anya que “a rapariga por quem se tinha apaixonado desaparecera”. É estonteante a quantidade de vezes que este homem se apaixona e desapaixona pela mesma mulher em apenas uma dúzia de páginas.

Em Milão, um desfile de Benedetta termina em aplausos “estrondosos” e Dharam liga-lhe antes, durante e depois. O homem não larga o osso.

 

Capítulo 10 – “Teve receio de comer”

Valerie recebe um convite de um “grande investidor” da área do vestuário para se tornar sua consultora. “Claramente o seu destino era ficar em Paris, no centro do mundo da moda”, ao invés de acompanhar o marido em Pequim. O convite foi feito através de um telefonema numa sexta-feira “um pouco antes do meio-dia”, sendo omitido outros pormenores importantes como a duração da chamada ou com que mão pegou no telefone.

Jean-Philippe voa para Pequim e “parecia um dia de luto depois da partida dele”. No capítulo 5, Beneddeta “tinha a sensação de que fora atingida por um tsunami”. Agora Valerie é varrida por “uma onda de tristeza”.

Jean-Philippe, em Pequim, “teve a estranha sensação de ter voltado aos seus tempos de solteiro”. DS volta a mostrar que a China não figura na sua lista ‘dez sítios onde ir antes de morrer’. “Nada no apartamento, no edifício ou no bairro era bonito”; “o ar poluído e o ambiente sombrio” também não escapam ao olhar severo da autora; em resumo, “não havia nada de agradável na cidade”, onde Jean-Philippe teve de se contentar com “uma tigela de arroz que a mulher da limpeza lhe deixara, juntamente com outra coisa que ele não reconheceu e teve receio de comer”.

Em Paris, porém, Valerie também experimenta dificuldades trágicas. Os filhos contraem gastroenterite “e ela não tinha a ama aos fins-de-semana para a ajudar”.

 

Capítulo 11 – “Isso fazia-o parecer menos homem” 

Chantal e Xavier “estavam a envolver-se lentamente no mundo um do outro” e ela fica aparvalhada “ao descobrir o quanto ele sabia sobre arte conceptual”. Entretanto, de um capítulo para outro Pequim continua sinistra. “As condições e a qualidade de vida eram péssimas”, tal como cinco páginas atrás.

Dharam continua de mira apontada a Benedetta e vai a Milão visitá-la. Fica hospedado no Four Seasons, leva-a a jantar ao Ristorante Savini na Gallleria Vittorio Emanuele II e depois, no apartamento dela, não consegue ainda molhar a sopa e resta-lhe apreciar as suas “pinturas clássicas”.

Dharam passa umas páginas no engate e pergunta, timidamente: “Estaria disposta a dar-nos uma oportunidade?” E depois, num arroubo místico, dispara: “O destino, ou os deuses, ou o que quer que lhes queira chamar, mandaram-me para junto de si”.

Só depois de uma viagem de 160 páginas é que o homem de Nova Deli chega ao seu primeiro destino, os lábios de Benedetta. “Inclinou-se e beijou-a, delicadamente primeiro”, mas depois “de forma apaixonada”, que a fome é muita. Na página seguinte DS é ambígua: “Dharam acompanhou-a ao átrio quando ela foi para o trabalho; o motorista esperava-a. Beijou-a levemente nos lábios”. Na minha fantasia literária, é o motorista que beija a namorada do patrão como gesto revolucionário da luta de classes.

Entretanto, Anya “só pensava em divertir-se” e “comportava-se como se Claudia fosse filha de outra pessoa”, ao passo que Gregorio se dedica à bebé dando-lhe banho e comida e até tirando “fotos de forma constante”. Para o avião russo, “isso fazia-o parecer menos homem”, preferindo certamente que o seu macho viril arrote cerveja enquanto vê futebol na televisão, conserte as canalizações e mude o óleo do carro.

 

Capítulo 12 – “Quando a enfermeira lhe pôs a arrastadeira”

A tétrica sombra da morte paira em “Magia em Paris” no capítulo 12 - Eric, filho de Chantal, tem um acidente de moto. Porém, “estava vivo e consciente, mas partira uma perna e um braço e ia ser operado para pôr um parafuso na anca”.

Chantal parte para Berlim transportando na mala “camisolas e calças de ganga, alguns artigos de higiene pessoal e a maquilhagem”. Estranhamente, e agora que era mais necessária, não leva a caixa de ferramentas.

No hospital encontra Eric estável, exorta-o a trocar a moto pelo carro como faz “o resto da burguesia” e, como se fosse a verdadeira dona disto tudo, foi “tentar arranjar-lhe um quarto individual”. E a verdade é que, como burguês que se preze, “uma hora depois ele estava no seu próprio quarto”.

Xavier aparece de surpresa, fazendo Chantal derramar lágrimas abundantes. Linhas depois, o livro atinge um dos seus episódios mais épicos: Chantal sai do quarto de Eric “quando a enfermeira lhe pôs a arrastadeira”.

 

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Capítulo 13 – “A deslizar para águas profundas”

 Entra em cena um novo sedutor, com nome a condizer: Charles de Beaumont. O alvo: Valerie. “Tinha 36 anos, parecia mais um modelo do que um empresário e namoriscava implacavelmente com todas as mulheres do escritório”, descreve DS. O pavão emprega os seus “melhores esforços” para seduzir a americana. “Ela via-se sempre sozinha com Charles no gabinete dele depois de todos terem ido para casa” e como se não bastasse “costumava convidá-la para jantar”.

Ainda assim, dando mostras de uma ingenuidade desarmante, Valerie “não se iludia a pensar que ele estava interessado nela”.

Prosseguindo o seu plano de ataque, Charles ordena: “Reunimo-nos amanhã no escritório para terminar isto e continuamos com um jantar em minha casa”. Valerie sente então algum desconforto mas Charles tranquiliza-a: “Oh, pelo amor de Deus, não vou violá-la, Valerie. Descontraia-se. Tenho namorada”. Perante este imbatível argumento, “ela sentiu-se uma idiota” - tal como eu por estar a ler esta xaropada.

Em sua casa, Charles põe Valerie a emborcar champanhe e vinho branco e, aproveitando-se da inocência beata da americana, atira: “As sessões de brainstorming evoluem sempre melhor para mim em casa do que no escritório”.

Como o cérebro foi a única parte do corpo que conseguiu exercitar, Beaumont convida-a para o ballet e mune-se de bilhetes para “O lago dos cisnes” e de uma reserva para jantar “no Alain Ducasse”, onde engorda a presa com “trufas brancas vindas de Itália”. “A Valerie merece ser mimada”, diz o galanteador, que às tantas “colocou a mão sobre a dela”. Nem assim, no entanto, a credulidade infantil de Valerie se desfaz totalmente - ela tinha apenas “a sensação de que ele a estava a cortejar”.

O assalto de Charles prossegue com armas de grande calibre, como “o maior buquê de rosas vermelhas” e a fatal frase de engate “a Valerie não me sai do pensamento”. Valerie deixa-se encantar e “entrou em pânico” já que “sentia-se a deslizar para águas profundas e teve medo de se afogar”.

O Instituto de Socorros a Náufragos não foi chamado e Valerie afogou-se mesmo, metaforicamente, porque por fim “ele beijou-a apaixonadamente no automóvel”, que é, diga-se, um Aston Martin e não um Renault Clio ou um Fiat Panda. Já no seu prédio, “percebeu, horrorizada, que não queria que Jean-Philippe voltasse para casa”.

 

Capítulo 14 – “Ela nem sequer tem a ama aos fins-de-semana” 

O capítulo seguinte, porém, começa assim: “Quando Jean-Philippe voltou para casa…” A infeliz Valerie tem de gramar com o marido mas rapidamente “lembrou-se de tudo o que amava nele”. Ele, astuto, “sentia nela algo de diferente” e confessa a Chantal as suspeitas de traição. Ao que a amiga responde de uma forma nada ridícula: “Não sejas ridículo. Quando teria ela tempo? Tu próprio o disseste, ela nem sequer tem a ama aos fins-de-semana”.

DS pôe Jean-Philippe e Valerie a jantar no mesmo restaurante em que, por coincidência, também entra o Beaumont, como se Paris fosse Oliveirinha ou São Jacinto. Valerie fica “hirta ao cruzar o olho” – apenas um, com o outro estaria a olhar para as trufas ou o caviar – com o homem com quem trocou uns cuspes no Aston Martin. Com a mulher hirta que nem uma barra de ferro, Jean-Philippe “sentiu um predador à solta e uma grande ameaça”.

Com Jean-Phiippe de volta à China, Valerie marca um almoço com Charles para pôr tudo em pratos limpos. Como entrada, ele “beijou-a fervorosamente e ela não resistiu”. O prato principal, porém, foi mais indigesto. “Quis ver-te hoje ao almoço para te dizer que não posso fazer isto”.

 

Capítulo 15 – “Com o motorista ao volante" 

Benedetta voa para Nova Deli para que Dharam “lhe revelasse as maravilhas do país”. Dharam, todavia, tem planos mais lúbricos e “beijou-a imediatamente” mal ela pôe um pé fora da aeronave. Na Índia Dharam “era um herói e um homem muito importante”, fazendo-se transportar num “Bentley azul-escuro, com o motorista ao volante”, pormenor útil não fossem os leitores pensar que o motorista seguia no banco de trás ou até na bagageira ou no tejadilho.

Apesar do beijo roubado logo após o desembarque, ainda não é nessa noite que Dharam molha a sopa. “Jantaram no hotel naquela noite, e ele acompanhou-a à suíte, antes de ir para a sua”.

Outro dia, Dharam, romântico incurável, “ordenara que o seu banho estivesse cheio de pétalas de rosa” e providenciou sempre “um quarto ou uma suíte ao lado dela”. “Queria estar por perto para a proteger” – do quê, não se sabe. O mais provável é que “proteger” seja um eufemismo para outro tipo de actividade, que o nosso herói finalmente consuma na página 214. Ufa.

 

Capítulo 16 – “Não usava roupa interior”

Valerie vai à China em trabalho pela Vogue e fica em choque. “O elevado número de pessoas, o barulho, o caos no aeroporto, o trânsito, a poluição”, tudo características que só se encontram na China, deixam-na aterrada. Assim como “tão pouca gente falar inglês”, ao contrário da enorme quantidade de parisienses ou nova-iorquinos que falam mandarim. A criadagem chinesa é esperta, porém. Jean-Philippe pediu o pequeno-almoço a “um empregado do serviço de quartos que mal falava inglês, mas, apesar disso, acertou na maior parte das coisas”.

A ida à China produz milagres. “Valerie sentiu que estavam a apaixonar-se novamente. A viagem salvara-os”. A conselheira sentimental DS descobriu o elixir para matrimónios em crise. Valerie “perguntou a si mesma se, vivendo em continentes separados, o casamento não ficaria mais excitante e o romance mais fresco”. Não há nada que oito mil quilómetros não resolvam.

Entretanto, DS tem um devaneio automobilístico. Charlotte compra um Range Rover, o noivo compra um Jaguar, Paul compra um Mustang e os pais de Rachel compram-lhe um Mercedes. Ao invés, Eric, o da roupa esburacada e que não é capaz de substituir uma lâmpada fundida, troca a mota por “uma velha carrinha dos correios” que “não passava dos oitenta”.

Algures neste capítulo, Chantal vislumbra Xavier a “conversar com uma ruiva de aparência sexy num vestido branco coleante que mal lhe chegava às virilhas” e que “não usava roupa interior”. Tal como Valerie no capítulo 14, Chantal também fica “hirta”.

Xavier defende-se recorrendo ao têxtil. “Tu podias usar a nossa colcha que ficarias mais sexy do que qualquer outra mulher”, afiança, e nessa noite entra em casa com “um buquê de rosas na mão”. Porém, “tropeçou numa grande mala no corredor”. Chantal lê a sentença: “Acabou”.

 

Capítulo 17 – “Enquanto os homens se dedicaram aos jogos”

É Natal. Os filhos de Chantal sentem-na “abatida, mais calada do que o habitual e triste”. Paul e a mulher Rachel vão ser pais e terão uma ama para a filha, tipo airbag, “para que o bebé não causasse um grande impacto na vida deles”.

Logo a seguir, DS descreve um cenário familiar edílico em casa de Chantal. “Rachel e Charlotte ajudaram-na a arrumar a cozinha depois do jantar, enquanto os homens se dedicaram aos jogos de vídeo na sala de estar”.

Xavier, prostrado, passa as festividades sozinho. A sua relação com Chantal “não fora uma aventura para ele, fora amor a sério”. Foi, para este coração partido, um Natal sem rabanadas e bilharacos.

 

Capítulo 18 – “Deixava a ama ir esquiar”

Após o Natal, Chantal fica sozinha. “Era sempre assim, e parecia que alguém lhe arrancara um bocado do coração”. A mim, ao fim de 241 páginas, é como se me tivessem arrancado o cérebro.

Entretanto, o barco de Dharam enfunou finalmente as velas e segue a toda a brida. Ele e Benedetta “deitaram-se na cama do hotel, viram filmes e fizeram amor várias vezes”. Entregam-se depois a um diálogo romântico capaz de fazer chorar as pedras da calçada. “Feliz?”, pergunta ele. “Completamente”, responde ela. “Excelente”, remata ele.

Gregorio e Anya passam o reveillon na estância de Courchevel e ele, de coração jorrando bondade, “deixava a ama ir esquiar”. À bomba russa compra um “casaco de vison vermelho na Dior” e põe-lhe “caviar, champanhe e lagosta” na mesa. “Queria fazer amor com ela, mas Anya já estava ansiosa por se encontrar com os amigos”, a ingrata.

Dramaticamente, ela anuncia: “Vou-me embora”. “O seu coração”, explica DS, “simplesmente não pertencia a ele nem à filha”. A sua partida “foi estranha, breve e fria”, o que não é de estranhar visto estarem numa estância de esqui.

Gregorio conclui que “a única mulher que amara era Benedetta” mas leva uma nova tampa da italiana. “Ele perdera o barco”.

 

Capítulo 19 – “Chocou com alguém na passadeira”

A Vogue coloca Valerie em Pequim por um ano, pretexto para mais uma violenta diatribe contra a China. “Não é um sítio fantástico para se viver”, informa Jean-Philippe. Valerie, por sua vez, “não conhecera uma única pessoa que lhe dissesse que tinha adorado viver em Pequim”. A solução era, portanto, arranjar um apartamento “numa das zonas mais agradáveis onde viviam os estrangeiros”.

Chantal, por sua vez, “andava deprimida há um mês”. Pela quarta vez, numa cena tão verosímil como eu encontrar um pote de ouro no fim do arco-íris, “chocou com alguém na passadeira” depois de uma sessão de compras. Era Xavier, pois claro, e acabaram “nos braços um do outro”, entre juras de amor. Xavier lança-lhe um convite pueril: “Queres sair e brincar na neve?” Ela, que está doente e a antibióticos, diz que sim.

 

Capítulo 20 “Parecia um milagre”

Com o porta-aviões russo já navegando noutras águas, Gregorio “saíra com várias modelos durante a Semana da Moda” de Milão, ao passo que a relação entre Dharam e Benedetta “parecia um milagre”.

Xavier “saiu do seu apartamento” e mudou-se para casa de Chantal, já avó. Entretanto, o casamento da filha Charlotte é uma orgia de Rolls-Royce, Bentley, Dior, Balenciaga e Nina Ricci.

 

Capítulo 21 – “As mulheres têm bebés na China a toda a hora”

Nas suas últimas páginas, DS encarrega-se de proporcionar um final feliz, como nas novelas e nos telefilmes de quinta categoria a la Fox Life. Não querendo despertar as mentes já anestesiadas por tanta foleirice literária, Valerie “sussurrou” um “estou grávida” a Jean-Philippe. “Era um choque” para a família - e para mim, que dispensava mais uma personagem.
Na página 275, DS tem uma epifania sobre o país tão mal retratado até aqui. “Há-de haver bons médicos nas grandes cidades da China”, confia Jean-Philippe, já depois de nos surpreender com uma assombrosa revelação: “as mulheres têm bebés na China a toda a hora”.
O resumo deste 21º capítulo em que quase nada se passa é: “Iam a caminho
da China e o seu quarto filho nasceria lá”.

 

Capítulo 22 – “Caviar para todos” 

O círculo fecha-se, louvado seja o senhor, e “Magia em Paris” termina como começou, em pleno Jantar Branco. Desta vez, porém, os deuses parecem madrastos. “Os céus continuavam a despejar tudo o que tinham”, incluindo doses maciças de parolice literária. “O Jantar Branco parecia estar condenado”, geme DS. Trovões ribombam, relâmpagos rasgam o céu, granizo forma tapetes brancos nas ruas. “Parecia o fim do mundo”, resume num tom apocalíptico.

Porém, “minutos depois um arco-íris atravessou o céu” e prosseguiu viagem até ao meu cérebro, trespassando-o violentamente com mais uma exibição de bimbalhice narrativa. “O Jantar Branco ia acontecer, e a magia tinha começado”.
Junto ao Louvre, homens fazem coisas de homens e mulheres fazem coisas de
mulheres. “Os homens montaram as mesas” enquanto Valerie, Chantal e
Benedetta compõem as mesas. Benedetta, cúmulo da sofisticação, ornamenta o cenário não com castiçais vulgares mas com “candelabros Bucileatti”, que deve ser uma coisa chique a valer, como dizia o Dâmaso Salcede n’“Os Mais” do Eça, ao passo que o pródigo Dharam trouxera não batatas fritas de pacote ou sandes mistas mas “caviar para todos”. No final, num gesto colectivo de boa gestão dos resíduos sólidos urbanos, “cada um pegou num saco de plástico branco e começou a enchê-lo de restos”.
Viro a última página, onde me esperam as derradeiras 14 linhas deste
verdadeiro suplício de 284 páginas. A 30 linhas a página, são mais de oito mil linhas que já andei para aqui chegar.

Numa frase em que o verbo acontecer acontece muitas vezes, DS faz a súmula final: “A magia do Jantar Branco acontecera antes, estava a acontecer naquela noite e voltaria a acontecer”. Chantal “olhou para o céu uma última vez, para se certificar de que a lanterna ainda estava ali algures, levando o seu desejo às estrelas. Porém, já o obtivera”. É esta última frase. Nunca tanto ansiei por uma última frase. Da minha parte, o meu desejo é que esta provação literária chegue ao fim. Obtenho-o agora. Resumindo a experiência, e parafraseando Jean-Philipe na página 242: “Merda!”

 

* Esta é a segunda parte de uma recensão humorística a um livro de Danielle Steel. A primeira parte foi publicada a 25 de junho.

1 Comentário(s)

jorge edgar cardosso cunha
4 jul, 2024

o rei vai nu desde há já bastante tempo que tenho a "vaga" suspeita de que as livrarias são, neste mundo atulhado de lixos das mais desvairadas espécies, sítios que pouco desmerecem do panorama geral. quando se trata do rasteiro lixo comum, esfarrapado e mal-cheiroso, todos o identificam sem hesitações. mas quando o que nos é posto diante dos olhos é um lixo bem encadernado - e tanto podem ser livros, como pessoas, como muitas outras coisas - e sobretudo bem publicitado, o rombo espírito crítico dos mais desarmados claudica com espantosa facilidade. e aí temos, afinal sem razão para grandes espantos, estes estrondosos sucessos que podem muito simplesmente resumir-se a um «o rei vai nu».

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