AveiroMag AveiroMag

Magazine online generalista e de âmbito regional. A Aveiro Mag aposta em conteúdos relacionados com factos e figuras de Aveiro. Feita por, e para, aveirenses, esta é uma revista que está sempre atenta ao pulsar da região!

Aveiro Mag®

Faça parte deste projeto e anuncie aqui!

Pretendemos associar-nos a marcas que se revejam na nossa ambição e pretendam ser melhores, assim como nós. Anuncie connosco.

Como anunciar

Aveiro Mag®

Avenida Dr. Lourenço Peixinho, n.º 49, 1.º Direito, Fracção J.

3800-164 Aveiro

geral@aveiromag.pt
Aveiromag

Júlio Pires: “Sou de onde nasci, sem deixar de ser do mundo”

Artes

Desde muito cedo que se nota em Júlio Pires uma espécie de vício pelo desenho, um apelo à expressão artística, a obsessão de representar tudo quanto lhe impressiona a retina. Numa incursão pelo baú das suas memórias mais antigas, este artista plástico ilhavense fala à Aveiro Mag do primeiro desenho que se lembra de ter feito – um retrato da avó Florinda, em papel, traçado com pedaços de carvão tirados do borralho.

Logo a seguir, recorda aquelas que, provavelmente, terão sido as suas primeiras referências no universo da expressão artística: as “magníficas ilustrações” de Maria Keil e Luís Filipe de Abreu no Livro de Leitura da Primeira Classe. Júlio conta que há uma gravura naquele antigo manual escolar – uma panorâmica do Terreiro do Paço, em Lisboa – que, ainda hoje, lhe desperta uma “emoção particular” de cada vez que a revisita. “Quando olho para a estátua de D. José ali ilustrada e a comparo com o trabalho que hoje faço, encontro semelhanças nos traços essenciais”, repara o artista. “Se hoje sou um pintor essencialmente realista, muito o devo a esses desenhos extraordinários”, reconhece.

Outra influência, talvez não tão antiga, mas absolutamente incontornável, é a de Júlio Pomar, nada mais, nada menos, que “o maior neorrealista português de sempre”, entende o ilhavense. “Há nele a firmeza da ideia inicial e a certeza dos traços escolhidos. aprende-se que o saber da técnica é a peça mais importante do mecanismo que conduz à expressão. É sublime de tão simples que é”, elogia.

A simplicidade é, de facto, um dos valores basilares para Júlio Pires, não só como artista, mas também enquanto ser humano. “Todo o percurso artístico é uma incessante busca para expressar uma mensagem”, avança o pintor, e “é na simplicidade que se encontra a poesia, isto é, a ciência de se dizer tudo o que se quer em palavras simples, mas acertadas”.

Júlio Pires nasceu no lugar da Chousa Velha, às portas da enfiada de oliveiras que escoltam a antiga estrada que leva à Vista Alegre, em Ílhavo. Cresceu no seio de uma família humilde que foi fortaleza de segurança, repositório das memórias que o edificaram e laboratório de experimentação para a liberdade e o amor. Conta ter vivido “uma juventude extraordinariamente boa, rodeado dos mais profundos valores e com a possibilidade de os confrontar e debater”, vivências que vieram a revelar-se essenciais quando chegou o derradeiro momento em que quis ser “dono do seu próprio nariz”.

Júlio é um trabalhador nato e recusa o conceito de inspiração. “Nunca acreditei em inspiração, essa realidade não existe em mim”, assevera. O mais importante é “saber ouvir com atenção, ler sem limites e, sobretudo, ver o trabalho daqueles que já são conhecedores do ‘segredo’. Foi esse o meu caminho”. Não chega ser-se “jeitoso para o desenho”. É necessário querer ser mais, querer ser melhor, tornando, a cada nova conquista, a meta final – a realização plena enquanto artista – novamente inalcançável. Importa mais a viagem, o caminho que se percorre. “Ser pintor, para mim, é viajar por dentro e deixar que os outros vejam parte da viagem”, reitera o artista.

Entrou para a histórica fábrica de porcelanas da Vista Alegre na esperança de ingressar na sala do desenho, mas não foi isso que aconteceu, acabando por ter de se formar por conta própria. Diz-se um “autodidata por vocação”. “Todo o processo acabou por encontrar mais dificuldades, demorando mais tempo, o que permitiu, por outro lado, que todo fosse muito mais sólido. A técnica também se aprende nos livros e eu sou um bom e ávido leitor”, relata.

O reconhecimento da empresa chegaria já depois das suas primeiras exposições artísticas. Certo dia, um “batalhão de dirigentes” da empresa ter-se-ão acercado do seu local de trabalho e, “sem escolha possível”, tê-lo-ão intimado a fazer um teste. “Cheguei, assim, por mérito, àquela sala e não na sequência de uma longa formação, como era hábito. Esta passagem pela Vista Alegre trouxe-lhe aprendizagens e traquejo, permitindo que aprimorasse uma técnica de pintura que, praticamente, “não tolera erros” e exige pinceladas certeiras, limpas, com conta, peso e medida. No entanto, a alma sôfrega de criador continuava a desassossegá-lo. Estava “cansado de ser monge copista”. As telas não podiam esperar mais tempo.

Amante do mundo e da vida, Júlio gosta da terra, de andar descalço no jardim e de construir abrigos naturais para os seus animais de estimação. A observação da natureza “é uma necessidade de sempre, que permanece”, admite, acrescentando: “Sou um coca-bichinhos desde pequeno”. Quanto ao seu próprio “habitat criativo”, é comum encontrá-lo entre pincéis, telas e paletas, mas uma luz adequada, a ausência de distrações e uma boa música de fundo – os brasileiros Maria Gadú, Maria Rita e Seu Jorge são alguns dos seus intérpretes favoritos – parecem ser os requisitos essenciais. Afinal, “pintar é um ato feliz e é preciso ter um ambiente equivalente”, assegura.

A primeira exposição de Júlio Pires, na segunda metade da década de 1980, ocupou uma das salas do Museu Marítimo de Ílhavo. “Expus uma miscelânea de coisas sem sentido”, comenta o artista. “Queria, acima de tudo, mostrar o que fazia, partilhar o que colocava sobre o papel”, explica, a propósito da sua exposição de estreia.

Desde então, já fez várias dezenas de exposições individuais e participou noutras tantas mostras coletivas. Aos 56 anos, está representado em vários museus e galerias, como o Museu de Arte de Cascavel, em Paraná (Brasil), na Casa Museu Camaño Xestido, em Cangas (Espanha) ou o Museu do Vinho da Bairrada, em Anadia, bem como em coleções privadas em Portugal e no estrangeiro. Há ainda criações com a sua assinatura na Embaixada do Canadá em Portugal, no City Hall de New Bedford (Estados Unidos da América), no Ministério da Defesa Nacional ou no Museu da Assembleia da República, esta última, um acrílico sobre tela inspirado no poema “Mar Português” de Fernando Pessoa, concebida a convite de Jaime Gama, à data, presidente daquele órgão.

A nível local, Júlio Pires já foi premiado e homenageado por associações como “Os Ílhavos”, o Illiabum Clube, a Confraria Camoniana ou o Rotary Club. “A minha ligação à comunidade ilhavense foi sempre muito próxima e guardo dela alguns traços que me definem como homem, marido e pai. Sou de onde nasci, sem deixar de ser do mundo”, afirma.

Em 2004, foi escolhido para elaborar um dos painéis de azulejos que decoram o monumento comemorativo da geminação das cidades de Ílhavo e St. John’s, na Terra Nova (Canadá), uma experiência que guarda com “carinho” e como “um dos momentos mais especiais” no seu percurso. “O momento é, talvez, mais importante do que a obra que realizei. Poder estar a pisar o mesmo chão que eles, os ílhavos que me precederam, anos depois, para os homenagear, é extramente forte. Saber que, possivelmente, familiares meus terão estado ali foi, sobretudo, bonito”, recorda o pintor ilhavense.

O reconhecimento da crítica e o apreço da comunidade são, à sua escala, importantes para qualquer criador, mas Júlio garante que, para si, “os prémios, os elogios, as honrarias públicas e as palmadinhas nas costas de circunstância não têm valor de maior nem ocupam lugar principal”. Na visão deste ilhavense, artista é alguém naturalmente curioso e inquieto, alguém que tem algo para afirmar e busca sentir-se ouvido. Ora, se é assim, é simples perceber que, para o pintor, “a maior recompensa para quem cria é, sem sombra de dúvida, contribuir, de alguma maneira, para a mudança de algo no ser humano. Provocar emoções, sentir que o seu trabalho tocou no botão mágico e despertou um sentimento forte.”

Nos últimos meses, Júlio Pires tem estado a trabalhar num painel de grandes dimensões (1,9 metros de altura por 8,3 metros de largura) para o futuro Centro para a Valorização da Religiosidade ligada ao Mar, que está a nascer na parte poente do edifício do antigo quartel dos bombeiros da cidade. O convite surgiu pelas mãos de Lisete Cipriano, da divisão de Cultura da câmara municipal de Ílhavo, e de Hugo Cálão, curador do novo equipamento. “É um projeto que me é muito querido e para o qual me encontro a investir muita energia”, afirma o artista.

Por ora, Júlio não pode adiantar muitos pormenores, mas tudo leva a crer que a obra, em coerência com o espaço que vai ocupar, celebrará a fé dos homens que, nos mares longínquos, combatiam o gelo, o peixe e o sal para garantir o sustento das suas famílias, assim como o pranto daqueles que, em terra, rezavam devotamente por bons ventos e boa faina.

*Fotos: Afonso Ré Lau

Automobilia Publicidade

Apelo a contribuição dos leitores

O artigo que está a ler resulta de um trabalho desenvolvido pela redação da Aveiro Mag. Se puder, contribua para esta aposta no jornalismo regional (a Aveiro Mag mantém os seus conteúdos abertos a todos os leitores). A partir de 1 euro pode fazer toda a diferença.

IBAN: PT50 0033 0000 4555 2395 4290 5

MB Way: 913 851 503

Deixa um comentário

O teu endereço de e-mail não será publicado. Todos os campos são de preenchimento obrigatório.