AveiroMag AveiroMag

Magazine online generalista e de âmbito regional. A Aveiro Mag aposta em conteúdos relacionados com factos e figuras de Aveiro. Feita por, e para, aveirenses, esta é uma revista que está sempre atenta ao pulsar da região!

Aveiro Mag®

Faça parte deste projeto e anuncie aqui!

Pretendemos associar-nos a marcas que se revejam na nossa ambição e pretendam ser melhores, assim como nós. Anuncie connosco.

Como anunciar

Aveiro Mag®

Avenida Dr. Lourenço Peixinho, n.º 49, 1.º Direito, Fracção J.

3800-164 Aveiro

geral@aveiromag.pt
Aveiromag

Os mundos do mundo do aveirense Nuno Cassola

Artes

Aos 37 anos, Nuno Cassola já percorreu e viu muito mundo. Muitos mundos. E de todos os locais onde esteve tem muitas histórias para contar. E, principalmente, muito mais sítios por descobrir e tantas ou mais histórias para partilhar. É essa a riqueza de uma vida cheia de tantas outras vidas, que procura o Outro, o que não é o espelho de si próprio, para o questionar e se questionar.

É natural de Vilar, em Aveiro, e atualmente reside em Atenas, na Grécia. Pelo caminho cruzou a linha do Equador a bordo do cargueiro Grande Francia, conheceu e conheceu-se em sítios como o Porto, Lisboa, Lucerna, na Suíça, São Paulo, no Brasil, Haiti, Jordânia e Peru, em trabalho, em investigação, em busca de si mesmo, a pé, de carro, de qualquer forma, numa vida com tantas outras vidas, em que a paixão pela “qualidade experimental do ser humano” o leva a preferir, sempre, “o inesperado”, que lhe traz “formas diferentes de observar realidades”.

A pintura e as Belas Artes

Foi a ideia de ser pintor que fez Nuno Cassola ir para a Faculdade de Belas Artes, no Porto. Esse experimentalismo cultivado por uma infância vivida em Vilar, no meio de um lugar ainda com muita natureza por descobrir e com brincadeiras, sobretudo com irmãos e primos, em que muito era feito com “as mãos e o corpo”.

No Porto, o primeiro choque com a realidade, fez com que a ideia pré-concebida se alterasse: “quando as aulas começaram, ao olhar à volta, percebi que não era assim tão bom pintor como pensava, mas tinha ideias e sabia fazer as coisas. Nessa altura comecei a inclinar-me para vídeo, instalação, objetos e sons”, explica.

Do pouco ao muito. Porto e Lucerna

Uma bolsa de residência artística levou-o a Lisboa, ao Instituto Superior Técnico, para investigar e trabalhar no laboratório de robótica. Fez amigos para a vida, o João e o Telmo, com quem partilhou casa e projetos que nunca terminaram. Faz parte do processo, os avanços e os recuos, as coisas que começam e não acabam. Outras portas se abriram, e em Erasmus, o salto até à Suíça, em Lucerna, uma cidade postal, que foi todo um mundo novo.

“Foi um grande choque pois mudei-me das Belas Artes, com um departamento de multimédia que se cingia a um armário para toda uma escola, para um sítio que era todo um edifício e salas cheias de equipamento. Aí desenvolvi tudo aquilo que não poderia fazer no Porto. Aprendi vídeo, edição, som, a mexer em mesas de mistura, mesas de efeitos. Foi também lá que pela primeira vez tive uma câmara de vídeo HD nas mãos”.

Sampa. Caetano e Gil

São Paulo foi o passo seguinte. Ali desenvolveu a tese de mestrado, que “assentava na indagação de como seria um ateliê de um artista visual quando esse ‘espaço’ é a mochila”. “De um país de 10 milhões para uma cidade de 13 milhões” ou a dificuldade de explicar as diferenças e particularidades de uma cidade distinta, com vida e convicções próprias: “Fui confrontado com o Outro, a pessoa que não é o meu espelho, outros corpos, outras vidas e modos de a defender e de a cultivar. Modos de disputa sobre a cidade. Aprendi que o meu corpo faz mais sentido em outras geografias, que a qualidade de como ressoa está tecida em outras raízes, outros paradeiros, de que o meu corpo se move em diagonais”.

Caetano Veloso e Gilberto Gil são, de repente, chamados para a conversa. Para quem gosta de Música Popular Brasileira, a canção “Sampa” é uma referência. Nela, as duas “lendas” da MPB definem, para Nuno Cassola, a essência de São Paulo e explicam, de uma forma que ele nunca conseguiria, o que é viver na cidade: “Vivi em São Paulo em dois momentos distintos. No segundo, estive quatro anos. Nesse tempo, aprendi, estranhei-me, fazia-me e desfazia-me constantemente. Sempre me diziam que não deveria tentar compreender a cidade e sim tentar fazer parte dela. A música de Caetano e Gil é a partitura e a melhor forma de explicar aos meus amigos o que é São Paulo. Estive nas ruas nos protestos de 2013. Levei com gás lacrimogéneo nos pulmões, fugi quando encurralado pela cavalaria da polícia militar de São Paulo, assisti a disparos contra as manifestações e gritei alto e bom som, com sotaque brasileiro, muitos gritos de protesto”.

O voodoo do Haiti e os refugiados na Macedónia

As catástrofes que assolaram, e assolam ciclicamente, o Haiti, fizeram com que o destino seguinte fosse esse país caribenho, o único estado do mundo estabelecido como resultado de uma revolta de escravos bem-sucedida “. A minha intenção era de investigar sobre a migração recente para São Paulo, mas depois acabei por expandir a pesquisa para a religião sincrética do voodoo, que aprendi ser uma religião familiar e que venera os seus mortos e anciãos. Participei de uma celebração, conversei com húngaros e mambos, visitei terreiros, mergulhei no mar do Caribe”.

Terminada mais essa pesquisa e enquanto esperava, em Portugal, pelo visto que o levaria de novo a São Paulo, decidiu ir até à Grécia, conhecer a realidade dos que fugiam de mais um confronto no Médio Oriente: “passei duas semanas no improvisado campo de refugiados em Idomeneo, no Norte da Grécia, na fronteira da Macedónia, onde testemunhei a tentativa de mais de duas mil pessoas atravessarem, a pé, a fronteira. São coisas que não se esquecem”. Pela Grécia ficou, até hoje, em projetos comunitários, a trabalhar em prol do outro, na descoberta de outras realidades, fazendo de tudo um pouco. Mas sempre com espaço para ir, para locais singulares, com tanto por dizer.

Da Jordânia ao Peru. Nómadas e Indígenas

Em 2018, pelo currículo e pela história de vida, foi selecionado para uma “residência artística nómada” na Jordânia, num grupo composto por 12 artistas que percorreu, a pé, todo o país de Norte a Sul, tendo terminado a residência na região do Sinai, no Egipto: “cruzámos todo o tipo de paisagens, incluindo o deserto de Wadi Rum, onde no ano seguinte criei e curei, em parceria, o festival de cinema Al Qamar Al Qamar nesse mesmo deserto”.

Já em 2022 e a convite da “parceira Eliana”, integrou um projeto que visa criar uma plataforma onde a história de quatro líderes de comunidades indígenas do Peru, que foram recentemente assassinados, será reconstituída, “através da memória coletiva das pessoas que sobrevivem”, e através dela, despertar consciências para “a forma como esses povos se relacionam com o território, os seus costumes, a medicina, a comida, os conflitos, tradições, desmatamento, invasões de terra e narcotráfico”. A plataforma será então constituída por “vídeos filmados em 360º e objetos das comunidades modelados em 3D”.

Aveiro e o que representa

Nasceu e estudou em Aveiro. Emigrou. Mas dificilmente voltará. Não porque não se sinta grato a quem passou pela sua vida. Mas a busca tem de continuar noutro lugar. Com vivências e sentimentos diferentes: “Aveiro foi o lugar que me permitiu sair e onde aprendi a ser uma parte de mim. Mas era uma parte não muito plural, porque tudo e todos eram como um espelho, semelhantes a mim, sem ruturas profundas”. “Não sei se algum dia voltarei”, explica, até porque o que gosta mesmo é de “lugares com tensões, sejam elas sociais, culturais e políticas”.

No entanto, desafiado, assume que pensa em Aveiro “muito por fora”, possivelmente derivado aos “dez anos de consecutiva ausência”, mas se tivesse de criar alguma coisa possivelmente seria “trazer à memória coletiva os movimentos antifascistas que existiram na cidade”, recordando dessa forma os Congressos de Oposição Democrática.

A Khora e a vida em Atenas

Hoje, a vida de Nuno Cassola continua cheia de coisas. Trabalha diariamente, como cozinheiro, empregado de mesa, carpinteiro e, sobretudo, pau para toda a obra, na Associação Khora, uma cozinha comunitária, que serve refeições gratuitas a quem precisa e que foi, nos últimos anos, devido às guerras no Médio Oriente e à pandemia, muito importante e fundamental na vida de muitos refugiados e necessitados.

Este projeto precisa, contudo, do apoio de todos, onde quer que estejam e, por isso, Nuno Cassola, sem pudores - porque quando se trata de dar de comer a quem precisa, tal não existe - solicita a quem tiver “uns trocos a mais no banco”, que siga o link (www.khora-athens.org/donate), que veja e conheça a associação e o trabalho que faz e, depois, se quiser, que faça um donativo. Todo o valor é valor e com pouco pode-se fazer muito!

Os sonhos e o futuro

Com tantos projetos já concretizados e tanto mundo por percorrer, o que se pode antecipar do futuro? Nuno garante querer continuar a “atuar” nos lugares onde se sente “próximo”, destacando a importância de “contar as histórias que estão cada vez mais ameaçadas”, nomeadamente refletindo “nas comunidades indígenas”, que “massacre após massacre” ainda habitam neste planeta e continuam “a falar sem ser escutadas”.

Quanto aos sonhos, assumindo ser “uma pessoa curiosa”, este insubmisso (como se define) aveirense gostaria de ser parte fundadora de uma escola de cinema gratuita “para quem quiser entrar e utilizar”, assim como de criar em parceria uma oficina comunitária ou, numa vertente mais cinéfila, filmar um western nas ilhas gregas. Não há impossíveis, para este cidadão de vários mundos.

Automobilia Publicidade

Apelo a contribuição dos leitores

O artigo que está a ler resulta de um trabalho desenvolvido pela redação da Aveiro Mag. Se puder, contribua para esta aposta no jornalismo regional (a Aveiro Mag mantém os seus conteúdos abertos a todos os leitores). A partir de 1 euro pode fazer toda a diferença.

IBAN: PT50 0033 0000 4555 2395 4290 5

MB Way: 913 851 503

Deixa um comentário

O teu endereço de e-mail não será publicado. Todos os campos são de preenchimento obrigatório.