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Para André Cester Costa, conquistar a montanha é conquistar-se a si mesmo

Sociedade

Em março de 1923, depois de já ter falhado por duas vezes a subida ao topo do Monte Evereste – oficialmente, o feito só seria alcançado trinta anos mais tarde –, o explorador britânico George Mallory visitou Nova Iorque com o objetivo de angariar fundos para a sua expedição seguinte. Numa conferência, um jornalista tê-lo-á questionado sobre o motivo que o levava a desejar tão fortemente atingir o ponto mais alto da superfície terrestre e a resposta de Mallory, tão súbita quanto arguta, viria a tornar-se célebre entre alpinistas e aventureiros por todo o mundo: “Porque ele está lá”.

André Cester Costa regressou, no início desta semana, a Aveiro, depois de uma inesquecível expedição na cordilheira dos Himalaias e, se lhe tivéssemos perguntado o que motivou essa jornada, a resposta seria algo como: “Gosto de me alimentar com desafios de superação pessoal. Só assim entendo que a vida faça sentido”, sem esquecer “a paixão imensa que nutro pela natureza”. “Não há nenhuma construção humana capaz de superar aquilo que a natureza nos dá e os Himalaias são uma constatação disso mesmo”, reitera o aveirense.

Esta viagem às montanhas mais emblemáticas do mundo, no Nepal – o 55.º país que André já visitou – esteve para se concretizar em 2020, mas a crise pandémica acabaria por adiá-la até este ano. E, de acordo com André, ainda bem que assim foi: “Se tivesse feito esta viagem em 2020, o mais certo era ter ido somente ao campo-base do Evereste. Com estes dois anos de espera, tive a oportunidade de analisar melhor o que os Himalaias têm para oferecer e apercebi-me que havia uma zona muito bonita, repleta de lagos – o vale de Gokio –, que também gostava de explorar”.

Ora, o trajeto de montanha que compreende a visita aos lagos de Gokio e ao campo-base do Evereste está desenhado para demorar 15 dias, mas André não tinha todo esse tempo. “Auscultei o guia nepalês com quem tinha entrado em contacto sobre a possibilidade de fazer o tal circuito não em 15, mas em 13 dias, o número máximo de dias que tinha disponível. E ele disse que sim, que era possível, desde que encurtássemos – ou, na verdade, adaptássemos – o processo de aclimatização”, conta. Uma “opção arriscada”, admite, que o obrigou a horas extra de caminhada e a sacrifícios físicos e psicológicos mais exigentes, mas que, no final, valeria bem o esforço.

“Essencial” a todos quantos se propõem visitar os Himalaias, a aclimatização é o processo de adaptação progressiva do organismo a um clima diferente, neste caso, ao ambiente das zonas de maior altitude e, segundo o aveirense, implica exercícios como “dormir a uma determinada altitude, durante o dia, fazer um percurso de ida e volta a um ponto de altitude superior e dormir uma segunda noite no mesmo local da primeira noite”. Na expedição de André, a grande diferença foi que os pontos de partida e de chegada raramente coincidiram. Partindo de uma vila, André subia ao destino mais alto programado para aquele dia e, daí, voltava a descer, mas, desta vez, não para a mesma vila onde pernoitara na noite anterior, mas para uma povoação diferente que estivesse a uma altitude semelhante à vila da noite anterior, mas mais próxima do ponto a alcançar no dia seguinte. Com recurso a esta estratégia, em apenas quatro dias, André Cester Costa conseguiu visitar Gokio Ri, a 5.357 metros de altitude, atravessou Cho La Pass, a 5.400 metros de altitude, subiu até ao campo-base do Evereste, a 5.364 metros de altitude, e conseguiu ainda chegar a Kalapatthar, a 5.545 metros de altitude.

De todos os quilómetros percorridos (e não foram poucos), “a subida a Gokio Ri foi, sem dúvida, a mais bonita”, considera André Cester Costa. “Foi, de facto, uma excelente decisão . A zona dos lagos de Gokio é fantástica, ainda que tenha um lado negativo ao qual não conseguimos ficar alheios e que é resultado do que andamos a fazer ao planeta”, narra o explorador. “Mesmo ao lado da pequena vila de Gokio, deveríamos encontrar o mais extenso glaciar dos Himalaias, mas, hoje em dia, tudo não passa de um amontoado de rochas. O glaciar já não existe”, lamenta.

O percurso até ao campo-base do Evereste também teve os seus encantos, desde logo, pelo facto de o trilho acompanhar, lado a lado, a montanha de Nuptse, que se ergue, branca e grotesca, a 7.861 metros de altitude. “Nesse percurso, temos uma proximidade com a montanha que, até aí, eu ainda não tinha sentido. Aquele gigante de pedra e neve mesmo ao nosso lado é de uma monstruosidade e, ao mesmo tempo, de uma beleza impressionantes”, sublinha. Uma vez chegado ao campo-base do Evereste, além da típica fotografia junto ao pedregulho onde está inscrito o nome daquele local e a altitude a que se encontra, André teve a oportunidade de interagir com alguns membros das comunidades de alpinistas que ali se começavam a formar. “Estamos na época em que aqueles que vão tentar subir ao topo do Evereste começam a montar as suas tendas no campo-base. Já há treinos a decorrer e nota-se uma movimentação muito grande. Tive a felicidade de falar com alguns membros de uma das expedições do “The 7 Summits Club” que nos convidaram a entrar na sua tenda para tomar um cházinho quente”. “Soube-me às mil maravilhas!”, confessa.

Há já alguns anos que André Cester Costa corre maratonas e os treinos que efetua com esse propósito, por si só, já lhe asseguram uma desenvoltura física e uma capacidade de resistência consideráveis. No entanto, para este desafio, o aveirense optou por fazer também algum trabalho prévio, em ginásio, de forma a potenciar a componente cardíaca e a melhor suportar o peso da mochila que fez questão de levar às costas. “Optei por não utilizar os serviços de um xerpa . “Normalmente, só é dada visibilidade aos estrangeiros que sobem ao Monte Evereste, mas os verdadeiros heróis são os xerpas. Tenho imenso respeito pelo trabalho que eles fazem. Muitas vezes chegam a transportar mochilas com 30 quilos de coisas supérfluas que os estrangeiros insistem caprichosamente em levar para a montanha”, explica André, que preferiu assumir uma atitude mais sóbria, responsável e despojada. “Decidi levar apenas o essencial e ser eu a carregar a minha própria mochila. Sempre soube que o importante da viagem era a experiência de contacto com a natureza e o desafio físico e psicológico de ultrapassar os objetivos a que me tinha proposto”.

Numa expedição aos Himalaias é fundamental levar calçado apropriado e roupa em várias camadas. “Peças interiores em lã de merino” e, para proteger o tronco, “um downjacket acolchoado”, aconselha André. Isto, claro, sem esquecer, “um bom saco-cama” que suporte temperaturas negativas e que, por ser tão específico para aquele clima, pode ser alugado às empresas nepalesas responsáveis pela organização destas expedições. Aos mais cautelosos, como André, aconselha-se ainda que não descurem a utilização de um liner – uma espécie de lençol para ser usado dentro do saco-cama que não só aquece o utilizador como ajuda a aconchegar o batom de cieiro e o cantil, mantendo a água em estado líquido mesmo nas noites mais gélidas.

Na montanha, há ventos arrepiantes que uivam monte acima, os rios correm com estrondo na direção oposta e os corvos crocitam à distância. À mesa, chapati com mel dos Himalaias a acompanhar um black coffee: eis a melhor forma de começar a manhã. A ementa do dia variava entre arroz frito com legumes, noodles, momos e esparguete com molho de tomate.Paga-se por água quente, para carregar os telemóveis e para tomar banho e os preços aumentam com a altitude. Nos lodges, ali a partir dos 4.000 metros de altitude, as salamandras deixam de aquecer as salas de convívio com recurso a lenha – àquela altitude, não há árvore que resista –, e passa a utilizar-se bosta de iaque seca como matéria combustível. André afiança que o método é eficaz e, pasme-se, não emite qualquer odor.

André Cester Costa procurou estar sempre atento aos sinais que o seu corpo lhe ia transmitindo - “Tinha de estar psicologicamente preparado para desistir caso o meu corpo não estivesse a reagir bem” – bem como aos conselhos de Manish, o guia que o acompanhou. O nepalês não se cansava de lembrar uma “regra de ouro” para todos os que caminham naqueles territórios às portas do teto do mundo: “Nos primeiros dias da caminhada, há que manter um ritmo lento, ir parando para descansar, beber muita água e desfrutar da paisagem. Só assim poderá garantir-se reservas de energia suficientes para os últimos dias”.

Além de autoconhecimento, é importante nunca perder o autocontrolo. Repare-se que, acima dos 3.900 metros de altitude, não houve uma única noite em que André tenha conseguido dormir mais por mais do que três horas. “Apercebi-me que havia outros caminhantes a quem acontecia o mesmo. Em altitude, o nosso organismo tem mais dificuldade em repousar por períodos mais prolongados, mas isso levanta questões de gestão psicológica de grande exigência. A partir da uma da manhã, depois de dormir as tais três horas, procurava permanecer na cama o mais tranquilo possível, tentando convencer-me que aquilo era uma situação normal e procurando, apesar de tudo, descansar os músculos”, descreve.

Na nona noite de expedição, na aldeia de Gorakshep, já depois de descer do campo-base do Evereste, mas ainda a 5.140 metros de altitude, André agarrou-se ao saco-cama com o termómetro a marcar -5ºC e o oxímetro a acusar níveis de oxigénio no sangue de 76 por cento, valores alarmantes para quem, junto ao mar, raramente experimenta níveis inferiores a 90 por cento. “Nessa noite, em especial, não foi fácil adormecer. Mas eu lia o meu corpo e sentia-me bem. É importante conhecermo-nos a nós próprios e sabermos interpretar o nosso corpo. Eu estava a respirar normalmente sem ter de recorrer a respirações mais profundas. Acabei por adormecer”, relata.

Regressado a casa, a sua esposa, Nataša, ter-lhe-á perguntado: “Não voltas a fazer nada disto, pois não?”. Se, antes desta expedição, a resposta seria um irrefutável e contundente “Não”, a verdade é que, depois de treze dias naqueles picos, André só foi capaz de responder com um hesitante “Em princípio, não”. “Há uma espécie de chamamento especial que os Himalaias despertam em nós, um apelo à descoberta, à exploração, a ultrapassar novos desafios”, descreve com deslumbre. “Provavelmente, não mais voltarei àquelas montanhas – gostava de explorar o Kilimanjaro, na Tanzânia, ou o Monte Branco, nos Alpes –, mas cada vez percebo melhor as pessoas que me diziam que aquela era já a terceira ou a quarta vez que regressavam aos Himalaias”.

Desta experiência, André Cester Costa guarda a firme convicção de que, “caso haja vontade e capacidade de sacrifício, não há impossíveis para o ser humano”, bem como a mágoa de, “mesmo no ponto mais alto do planeta, num local tão inóspito e inacessível, as alterações climáticas já se fazerem sentir de forma devastadora”. “Não se sobe aos Himalaias só para se ter uma boa história para contar”, entende. “As memórias que conseguimos registar ajudam a recordar o privilégio que foi estar ali, mas também os sacrifícios que tivemos de vencer para ali chegar”.

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