AveiroMag AveiroMag

Magazine online generalista e de âmbito regional. A Aveiro Mag aposta em conteúdos relacionados com factos e figuras de Aveiro. Feita por, e para, aveirenses, esta é uma revista que está sempre atenta ao pulsar da região!

Aveiro Mag®

Faça parte deste projeto e anuncie aqui!

Pretendemos associar-nos a marcas que se revejam na nossa ambição e pretendam ser melhores, assim como nós. Anuncie connosco.

Como anunciar

Aveiro Mag®

Avenida Dr. Lourenço Peixinho, n.º 49, 1.º Direito, Fracção J.

3800-164 Aveiro

geral@aveiromag.pt
Aveiromag

Armando Regala: a paixão por Aveiro, da escultura aos cartoons

Sociedade

Da crítica humorística em formato de cartoon às figuras tradicionais que molda a partir de pedaços de barro, Armando Regala é um artista completo, de jeito singular, tom preciso e traço característico. É, sobretudo, um apaixonado por Aveiro e, de uma forma especial, pelo seu “querido bairro da Beira Mar” onde nasceu, há 80 anos, e para o qual regressou recentemente depois de mais de três décadas nos Estados Unidos.

Foi, precisamente, no bairro da Beira Mar, mais propriamente, na “salinha alcatifada a junco” da casa da sua mestra – a senhora D. Apresentação cuidava de Armando e de outras crianças em idade pré-escolar enquanto os pais estavam a trabalhar –, que riscou os primeiros desenhos. “Havia lá umas placas de lousa e eu gostava de desenhar os vagões que por ali passavam para ir buscar sal, as camionetas, os cavalos...”, recorda o artista, em entrevista à Aveiro Mag.

Dos tempos de escola, vem-lhe à memória um episódio em que o professor Abreu, da disciplina de Desenho, reconhecendo-lhe uma natural aptidão, o desafiou a ilustrar uma salina. Por várias vezes Armando lhe entregou o trabalho e, em todas elas, o professor apontou um ou outro pormenor a ser corrigido, incentivando o menino a voltar ao local para aprimorar o retrato. Ora, se Armando já tinha o gosto e o talento, esta jornada incessante em busca da salina perfeita tê-lo-á ajudado a aperfeiçoar a técnica. No final, o seu desenho foi o escolhido para representar Aveiro num concurso nacional, em Lisboa.

Outro ilustre aveirense que lhe reconheceu o jeito para o desenho foi David Cristo, professor na escola comercial de Aveiro e fundador do semanário Litoral. Ao constatar, igualmente, o espírito mordaz e olhar atento que o rapaz demonstrava, David Cristo convida-o a colaborar com o jornal, criando cartoons humorísticos sobre a sociedade e a política aveirenses. “Nunca mais me esquece o primeiro cartoon que fiz para o Litoral. Era sobre o antigo estádio Mário Duarte, que na altura não tinha bancadas”, recorda Armando Regala.

Apesar de reconhecer a influência que estas e outras personalidades tiveram no seu percurso, Armando não hesita em afirmar-se como um autodidata. “O meu trabalho resulta daquilo que eu fui esgravatando por minha conta. Ninguém me ensinou nada”. E se é assim no que ao desenho diz respeito, a situação não é muito diferente quando o assunto passa a ser a escultura.

Na sua juventude, Armando Regala integrou “Os Ramonas”, um grupo de rapazes aveirenses que se juntava aos fins de semana e, principalmente, no tempo do Natal, altura em que os membros que trabalhavam fora voltavam à cidade para passar a quadra com a família. No contexto desse grupo, organizavam-se torneios de futebol, rally papers e outras competições, bem como apresentações de teatro amador. Até que surgiu a vontade de premiar os vencedores das provas organizadas, entregando-lhes uma lembrança. “Nós não tínhamos ‘pilim’ para comprar troféus. Por isso, arranjámos forma de ir para a olaria de um indivíduo chamado Côrte-Real, ali no bairro do liceu, à noite, e pusemos mãos à obra”. Das mãos de Armando, o primeiro boneco a surgir foi um ardina. Uma figura sólida, de silhueta distinta, trajes a condizer e uma inconfundível expressão de vivacidade só ao alcance dos grandes artistas. Naquela imagem de barro, nenhum pormenor fora deixado ao acaso. A este boneco, muitos outros se seguiram. Armando acabara de descobrir uma nova forma de expressar a sua arte.

Armando Regala nunca chegou a fazer do desenho ou da escultura a sua profissão. No arranque da década de 1980, ao constatar que a empresa para a qual trabalhava estava a entrar em dificuldades, opta por tentar a sua sorte no estrangeiro. “Mal arranhava o inglês, mas pus-me na alheta para a América. Tinha dois filhos para criar, não podia ficar parado”. Numa primeira fase, foi acolhido pela comunidade portuguesa em Newark, Nova Jersey, mudando-se, mais tarde, para Long Island, já no estado de Nova Iorque, onde, depois de uma experiência no ramo da construção civil, viria a estabelecer-se como motorista particular.

Pelas ruas de Nova Iorque conduziu limusinas e carros de alta cilindrada; serviu abastadas famílias judias, empresários italianos com negócios duvidosos e até uma alta patente da Marinha norte-americana com uma especial apetência para o uísque. Tudo isto, antes de começar a trabalhar para o multimilionário Jerome (conhecido por todos como “Jerry”) Chazen, cofundador da empresa de vestuário Liz Claiborne, investidor do ramo imobiliário e notável colecionador de arte.

Nos Estados Unidos, Armando continuava a ocupar os tempos livres com a escultura de figuras tradicionais em barro, personagens do povo, inspiradas nas memórias das pessoas que conhecera na cidade que o vira nascer. Em 1989, já depois de ter exposto no Museu de Aveiro e na Fundação Gulbenkian, Armando realiza a sua primeira exposição além-fronteiras. Uma mostra de 20 figuras típicas de Aveiro no Newark Public Library, realizada a convite de Júlio Vasconcelos, cônsul de Portugal em Newark. Seguiram-se exposições no Portuguese Center of Tourism e no Consulado de Portugal em Nova Iorque.

Apreciador dos trabalhos de Armando, Jerry Chazen terá apresentado algumas das esculturas do português a várias personalidades da alta sociedade norte-americana que visitavam a sua mansão - Além de ocuparem um andar completo num prédio do coração de Manhattan, os Chazen tinham ainda uma impressionante moradia nas terras altas do estado nova-iorquino onde organizavam festas e exposições de arte.

“Posso dizer que deixámos lá uma família”, reconhece Armando que, há coisa de cinco anos, abandonou definitivamente a cidade dos arranha-céus para voltar a Portugal e ao bairro do seu coração. “Tanto que eles queriam que nós ficássemos, eu é que não quis arriscar-me a só voltar a Portugal num sobretudo de madeira”.

Nos anos que passou do outro lado do Atlântico, a milhares de quilómetros das ruas estreitas e salgadas da Beira Mar, Armando Regala garante nunca ter esquecido a terra natal. “Nunca saí de Aveiro”, assegura. “Mesmo na América, eu estava sempre em Aveiro. Fui acompanhando o desenvolvimento da cidade, os políticos que a governavam, o que se fazia e o que deixava de se fazer. Desenhei milhares de cartoons à distância, sempre com críticas bem-dispostas, mas pertinentes e construtivas, baseadas no que lia e no que as pessoas me contavam”. Ao longo dos anos, Armando colaborou não só com o Litoral, mas também com jornais como O Aveiro e A Pateira, sem esquecer o Paskim, a revista da Confraria de São Gonçalo. Em 1990, o seu trabalho valeu-lhe o prémio de Melhor Cartoonista de Aveiro, um galardão entregue por Girão Pereira, presidente da câmara à data.

Aos 80 anos, não lhe faltam encomendas de figuras em barro. Já quanto ao desenho, mantém o espírito mordaz e o olhar atento, sempre pronto para registar no papel os problemas que identifica, as sugestões que propõe, as causas que defende ou as promessas políticas que tardam em avançar. Tem refletido, sobretudo, sobre o seu “amor maior”, a Beira Mar, “um bairro histórico que, até à data, ainda não foi tratado como devia. Principalmente, as ruas”. “Se ainda virassem para cá o José Estêvão...”, suspira, numa referência ao monumento da Praça da República. Para Armando Regala, Aveiro permanece, tal como a estátua do ilustre político aveirense, de costas para a Beira Mar.

Do trabalho recente de Armando Regala há que destacar as caricaturas que fez para um glossário chamado “Alcunhas d’Aveiro” (2020), bem como as suas ilustrações num compêndio de testemunhos e retratos sobre as antigas “Tabernas d’Aveiro” (2021), ambos, da autoria do aveirense Manuel Pacheco. Esta dupla de cagaréus já tem outro projeto em mãos, avança Armando. Desta vez, sobre artistas aveirenses. “Andamos há quase um ano a recolher depoimentos”, atesta o ilustrador.

Automobilia Publicidade

Armando Regala é uma das personalidades que a câmara municipal de Aveiro decidiu distinguir, este ano, na sessão solene do Feriado Municipal. A notícia desta condecoração foi, para Armando, “uma surpresa”. Não tivesse a voz com quem falou por telefone o evidente timbre da do presidente da câmara e teria certamente pensado que se tratava de uma partida. Armando vai ser reconhecido com uma Medalha de Mérito Municipal em Cobre e a autarquia não lhe poupa elogios: “Armando Regala é merecedor do respeito e da consideração de todos e do reconhecimento da sua partilha de vida, que queremos divulgar como instrumento de estímulo à criatividade e à cultura popular”. Quanto ao galardoado, considera existirem “outros , ainda vivos, que mereciam, talvez mais, ser reconhecidos”. “Vou lutar para que não sejam esquecidos”, certifica.

Antes das despedidas, no calor de um animado debate sobre qual de nós pagaria a despesa dos cafés que acompanharam a nossa conversa, nem demos pela prontidão convicta de um amigo que, abeirando-se do balcão, tratou de extinguir esta rivalidade. “Está pago, Regala”, atirou, logo a seguir, com um aceno e um sorriso. Armando agradeceu, reconhecido pela generosidade do gesto. Também eu puxei de um “obrigado” e, sem conhecer o benemérito de parte alguma, dei por mim a apostar: “Deve ser cagaréu...”.

Apelo a contribuição dos leitores

O artigo que está a ler resulta de um trabalho desenvolvido pela redação da Aveiro Mag. Se puder, contribua para esta aposta no jornalismo regional (a Aveiro Mag mantém os seus conteúdos abertos a todos os leitores). A partir de 1 euro pode fazer toda a diferença.

IBAN: PT50 0033 0000 4555 2395 4290 5

MB Way: 913 851 503

Deixa um comentário

O teu endereço de e-mail não será publicado. Todos os campos são de preenchimento obrigatório.